O aniquilamento
Vivo sozinho desde criança, fiquei órfão desde muito cedo. A morte dos meus pais no acidente rodoviário deixou-me completamente desamparado.
Eu estava lá, fui o único sobrevivente juntamente com a minha irmã.
Tive de me desenrascar sozinho. Aprendi a cozinhar, aprendi a ser responsável, aprendi a cuidar da minha irmã mais nova.
As minhas infância e juventude estavam estragadas. Tinha de seguir em frente, mas aquelas imagens ficavam presas à minha memória. Sempre sentia um vazio enorme no meu coração.
Não tive a hipótese de outras pessoas: de ir para a escola, aprender a ler, a escrever, a conhecer outras pessoas.
Quando saía de casa, via sempre aquela criança feliz de mãos dadas com os pais. Aquela vida era completamente fantástica: a relação, a cumplicidade... encontravam-se lado a lado, juntas e inseparáveis.
Eu encontrava a paz de espírito no meu quarto. Refugiava-me naqueles retratos, imagens, recordações, lembranças, vídeo que sempre via, daqueles pais maravilhosos que sempre estimei.
Eu sabia que não estava sozinho - tinha a minha irmã, querida, espantosa, com aquele brilho no sorriso, com aqueles cabelos encaracolados pretos, com aqueles olhos de azeitona maravilhosos.
Tomei uma decisão importante. Fui trabalhar numa oficina de automóveis. Aquele óleo era um quebra-cabeças. Sujava-me sempre, mas era suposto sujar-me e compreendia. Ganhava mal, mas sempre era alguma coisa, dava para as despesas, enquanto via sempre a minha irmã crescer.
Agora ela já é uma senhora: cresceu muito, está da minha altura. Eu ensinei-a a cozinhar e fiquei espantado comigo próprio, com as minhas invenções na cozinha.
Certo dia, ela foi buscar flores num jardim e apaixonou-se por um rapaz humilde, simpático, que não a deixou mais. Eles casaram-se.
Eu ficava sozinho naquela casa velha, mas feliz porque ela seguiu a felicidade e casou com a pessoa que amava. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde também eu iria encontrar a pessoa certa, ideal, perfeita para mim. Esse dia chegou. Ela era linda, deslumbrante, cabelos louros, olhos azuis como o céu, cor de névoa. Comecei então a falar com ela, tímido e envergonhado com tanta beleza introduzida naquela pessoa magnífica que estava à minha frente. Naquele momento, senti-me o homem mais feliz do mundo. Eu amava-a tanto que não a largava, nem ela a mim.
Entretanto, a minha irmã teve filhos e eu ia-me casar com ela. No dia do casamento estava muito nervoso. Cheguei à igreja, muitas pessoas conhecidas e desconhecidas que tive a oportunidade de conhecer; ela demorava muito, mas isso faz parte da tradição. Ela saiu de casa, vestida de branco; o pai dela estava a conduzir e embateram contra uma árvore. Eu recebi a notícia mais tarde. Fiquei de coração partido, não queria acreditar no que me estava a acontecer: tinha perdido mais uma pessoa que amava; fiquei destroçado, fechei-me em casa, nunca mais saí.
Num dia, caí das escadas, não sobrevivi.
Tinha partido para um mundo onde precisava de ser feliz, onde poderia ver as pessoas que tinha perdido e matar as saudades que me tinham consumido.
Ruben Zacarias
Sem comentários:
Enviar um comentário