domingo, 27 de fevereiro de 2011

o eco dos últimos passos


Estou deitada na minha cama. O relógio ainda não parou de me segredar que daqui a pouco é manhã e que ainda não dormi, os meus olhos ainda não pararam de me pedir que os deixasse descansar, mas as cortinas ainda não pararam de me sugerir que as seguisse.
- Vem, dança connosco!
O céu está limpo. Consigo ver cada estrela do meu futuro. Não há nuvens que se atropelem pelo caminho.
Sinto-me cansada de viver. Cansada de ultrapassar obstáculos, de enfrentar problemas e de dizer a mim mesma:
- Vou lutar contra tudo e contra todos os que acredito estar mal e, um dia, serei muito feliz.
Estou cansada de ser guerreira e de sonhar. Constantemente a minha força é golpeada e constantemente tento cicatrizar a dor.
- Irra! Nunca quis ser enfermeira!
Mas é nisso que toda a minha vida se tem baseado: batalhar, cair, levantar, limpar o sangue, batalhar, cair, levantar, limpar o sangue.
- Vem ser feliz, dança connosco!
Estou cansada de dançar, meu amor. Estou cansada de arriscar.
- Tu nunca dançaste connosco! Vem, vem ser feliz! Vem ver o que o futuro te espera!
E o que me acontece a seguir?
 Os meus olhos cansaram-se de me pedir para os deixar dormir. Já não querem saber. Levanto-me e vou até à janela. Passo por detrás das cortinas e abro a janela.
O vento acaricia-me o rosto e lava-me a dor. É como receber um forte abraço de carinho ou um terno beijo, depois de chorar compulsivamente.
- Tu não entendes que me magoas?! Não vês que eu nunca fui feliz? Não vês que nunca sorrio de contentamento? Não vês que me destróis lenta e dolorosamente? Não tens em conta a maneira como me fazes sentir?
- Eu quero lá saber disso! Tu, para mim, és como um negócio! Eu comprometi-me a lucrar x e vou até ao fim! Quero lá saber se isso te magoa ou não. És um objecto nas minhas mãos, sou eu quem te controla!
Suspiro. Por vezes, gostava de não me ter iludido com a ideia de que fazias tudo para me ver feliz, mas que não conseguias, mesmo por incapacidade, ver os efeitos secundários das tuas palavras e acções. Gostava de nunca ter prometido a mim mesma nunca sair de casa antes de tu morreres, nem mesmo para fazer uma família. Jurei cuidar de ti até aos teus últimos dias e, agora, gostava de nunca o ter feito.
Acaricio o parapeito da janela. Quantas vezes já não me tinha encontrado contigo, meu amor, por esta janela que dá para a floresta? Perdi-lhes a conta. Ao longo de todos estes anos, vento, tu foste o único que sempre esteve disposto a limpar a minha dor, para que eu pudesse reflectir, mesmo que fizesse calor. Tens sido o meu único porto seguro, o único motivo que tenho para dizer que não estou sozinha. E quantas vezes não quis eu pular daqui e tu me impediste? Quantas vezes não me lembraste das minhas promessas e dos meus ideais, e da minha Razão e da minha consciência? Tens sido o melhor e mais solícito amigo que tenho tido, ao longo de todos estes anos.
Mas hoje o céu está limpo. Consigo ver cada estrela do meu futuro. Não há nuvens que se atropelem pelo caminho.
- Vem, dança connosco! Vem ser feliz! Tu nunca dançaste connosco.
Talvez tenha sido esse mesmo o meu problema: nunca ter dançado convosco. Talvez nunca tenha arriscado o suficiente. Mas hoje o céu está limpo.
Olho o relógio. Ainda não dormi e é quase manhã. Todos dormem, pelos vistos. Uns vinte euros, algumas roupas confortáveis, um caderno, uma caneta e algumas peças de fruta e pão deverá ser suficiente.
Vou às portas. Todos dormem, ingénuos e crentes de que eu continuarei a arrastar, moribunda, mas terna, o meu perdão e a minha compaixão, após estes anos todos.
Não há volta a dar. Hoje o céu está limpo.
A mala espera-me, em cima da cama. Os vossos retratos abraçam-me enquanto menina e eu sorrio, desconhecendo no que me tornaria. A guitarra está à porta e chora, por mim. Não, eu não te vou deixar. Hás-de ser o meu álbum de recordações e tudo o que tenho.
Perdoem-me. Amo-vos demasiado para deixar que isto continue a suceder-se. Hoje o céu está limpo e consigo ver as estrelas do meu futuro. Não há nuvens que se atropelem pelo caminho.

 

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