sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

plumas brancas

     O profundo descanso escuro em que me encontrava foi substituído por um vagão de luz branca azulada que se espalhava sobre o leito revolto em que dormia. Preguiçosamente, vi as minhas pestanas desvanecerem do meu campo de visão, permitindo-me encarar o despertar de um novo dia.
    À minha frente, vi-te, caído, calmo e vulnerável. Os carnudos lábios onde eu me costumava deleitar estavam dormentes, vagamente separados, sem vida. A tua mão esquerda estava meio fechada, queda, contra o lençol branco em que te confortavas. A direita repousava mesmo ao lado da minha anca, como projeto inacabado de meu alcance.
     Fiz a distância entre nós encurtar, a fim de me certificar que não sonhava, para te ter mais real, mais verdadeiro -- mais meu. Nunca o foste, porque a posse é uma ilusão. No final -- porque há sempre um final --, tudo se perde, duma forma ou doutra. Não há nenhum normativo legal que possa substituir as considerações morais -- e nenhuma ética capaz de sustentar a verdade de uma posse. Imediatamente, ouvi, ao longe, João Pedro Pais com o seu clássico ninguém é de ninguém, mesmo quando se ama alguém. Mas há algo que detemos garantidamente e que nem sempre perdemos: o amor. Os sentimentos que nutrimos são sempre nossos, uma vez que nós somos de nós mesmos, e o amor que temos é sempre nossa posse. A pessoa que amamos já não. E eu sempre tive essa noção contigo. Sempre soube que a cor de caramelo torrado que me seduzia pacificamente não era minha. Nunca foste meu, mas eu sempre te amei. Assim como eu também nunca fui tua, mas sempre me senti por ti amada. Isso sempre foi do consenso de ambos, o que permitiu que nunca houvesse crises de ciúmes entre nós, nem discussões acerca da obrigatoriedade ou legalidade da nossa relação, durante todos aqueles anos que tinham passado por nós, a correr. O amor é, sempre foi e sempre será livre. Só assim, livre e espontâneo, nos pode enraizar verdadeiramente a alguém e disponibilizar-nos a capacidade de voar, mesmo com a força gravítica que a física nos impõe.
     Prendi o cabelo com o pauzinho chinês que me havias oferecido, há anos atrás. Silenciosamente, limitei-me a observar as graduações de castanho que a eumelanina da tua pele formava, com a luz que te embatia nas costas. Suavemente, senti o calor da tua respiração arrepiar os pêlos meu braço, subir, qual serpente, por mim acima, até à minha nuca. Com a mesma subtileza com que existias, desejei sentir a textura da beleza que me encantava. Percorri, com a ponta dos dedos da mão esquerda, a linha que vinha desde a tua cintura destapada. Passei pelo teu ombro e senti o teu pescoço quente, mas tu continuavas, que nem um anjo, profundamente adormecido. Ao tocar o teu rosto, senti a aspereza dos pequenos pêlos da tua barba e deixei-me fazer cócegas nos dedos. Tal como uma escovinha com pequenas agulhas, aquelas farpas pontiagudas massajavam-me e tranquilizavam-me.
     No transe em que estava, não senti que acordavas. Vi os teus grandes olhos fitarem-me, com a surpresa de uma criança. Sorri, embaraçada.
     - Bom dia, amor - proferi timidamente, como se essas três pequenas palavrinhas pudessem substituir uma justificação para estar a contemplar-te, qual pecado que ninguém comete.
     De imediato, vi um terno e sincero sorriso esboçar-se nos teus lábios e não pude deixar de reparar que os teus dentes estavam tão brilhantes como se nunca tivessem sido usados. Acordaste os teus braços dormentes e as tuas mãos cercaram-me, puxando-me para ti. Ao encaixar a minha cabeça no teu pescoço, passei o meu braço por cima de ti e senti os teus braços a aconchegarem-me as costas, enquanto a tua mão esquerda me acariciava a cabeça e fazias os teus dedos entrelaçarem-se no meu negro e farto cabelo.
     Desprendi a minha cabeça de ti, enquanto respirava profundamente, como quem vem à superfície, após um calmo mergulho. Não consegui impedir-me de sorrir enquanto descobria o meu rosto, até ora imerso em ti. Senti um calor enorme invadir-me as bochechas e desviei o olhar, para baixo. O teu braço direito deixou de segurar as minhas costas e a tua mão encostou na minha bochecha esquerda. Olhei para ti. Miravas-me fixamente, seriamente. Desfiz o sorriso embaraçoso que esboçava. A tua voz grave entoou nos meus ouvidos, aquecendo-me ainda mais:
     - És linda.
     Encostei o meu nariz ao teu e fechei os olhos. Ao tocar os teus lábios, envolveste-me com força e puseste-me em cima de ti. Senti tudo como se fosse novo, como se nunca te tivesse beijado antes. E, naquele calor único, soube que aquilo que nos unia era mais forte do que o poder de qualquer assinatura ou aliança.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

delicadas harpas que não te consigo despir

Vejo-te aí, a toda essa (excessiva) distância de mim. Rodopias essas tuas serpentes enroladas imprecisamente, fazendo-as expelir esse veneno a que chamam perfume. Se de veneno não se tratasse, não me terias escravo da tua miragem. Enfeitiçados, os meus olhos perdem-se ao seguir os movimentos desses folhos que esvoaçam pelo ar, como pássaros brancos floridos.
Tu, musa sobrehumana, enches o ar de magia e rejuvenesces cada pedaço de chão por ti tocado, qual lisonjeio. A teu redor, tens todo um mundo submisso, sem que precises de fazer um mínimo esforço que seja. Para tal, precisas apenas de não forçar nada, nada desejar, e encarregar o teu corpo que, por natureza, difunda o branco suave que o interior da tua alma contém. A cor que cada porção de ar adquire transforma-te em anjo, com delicadas curvas sobre as quais os canudos do teu cabelo se deitam e eu me deleito. Cada linha do teu corpo é uma auréola da tua subtileza e me convida a apreciar a renda que as sombras desenham em ti.
Carteiro do teu aroma, percorro cada duna tua, cada delicado espaço de pele que me exibes timidamente. Timidamente, sinto a aspereza da ponta dos meus dedos tocarem as delicadas harpas da tua pele. E é com a mesma timidez de te sentir em mim, próxima do meu corpo, que a capa que não te consigo despir não se mostra indiferente ao desejo de amar que os meus lábios suavemente emanam sobre ti. Juntos, compusemos as mais esbeltas melodias -- as mais puras e as mais fervorosas. Eu, contudo, limito-me a deixar-me levar pelas sugestões da tua dócil riqueza humana. Todo o conteúdo das maravilhas que cantamos emanam da tua profana afabilidade, do calor que tu, deusa, expeles de ti.
Vem até mim, morena. Faz de mim teu seguidor e deixa que eu me satisfaça nos requintes do teu ser.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

COMUNICADO

     Queria avisar os meus caros leitores de que reorganizei a barra de separadores do blogue. Agora, para além de terem acesso aos textos que mais gostei de escrever, à explicação do nome do blogue e à definição da pessoa por detrás dos textos, é mais fácil acessar às minhas histórias com maior dimensão, as que foram divididas em capítulos. Basta clicar em Estadias para terem acesso a uma compilação dos cantos onde me demorei mais.
     Queria também anunciar que retomarei uma história abandonada por falta de ideias, O Homem dos Bolos.
     Boas férias a todos!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mostrem ao racismo o cartão vermelho!

     O racismo é uma perspetiva transformada numa atitude que não é aceitada numa sociedade tão liberal, que está baseada nas ideias dos filósofos iluministas do século XVIII.
     De facto, estes filósofos tinham razão quando diziam que as pessoas eram todas as mesmas quando "despidas das suas vestimentas". Na minha opinião, não há motivos para discriminar alguém pela sua cor de pele, uma vez que as pessoas não têm a capacidade de escolha das suas caraterísticas físicas quando nascem. A etnia, por si própria, nem sequer é reconhecida nas caraterísticas do ADN.
     O que realmente importa na análise das pessoas é a sua mente -- a sua mentalidade, os seus valores, a sua personalidade. É isto que as pessoas racistas esquecem -- elas esquecem os valores. Elas simplesmente olham para alguém e identificam essa pessoa imediatamente como uma assassina, uma ladra, uma prostituta ou qualquer outro tipo de má pessoa. Isso é nada mais, nada menos do que um "pré-conceito" -- e, tal como todos os preconceitos, altamente falível.
     Eu não quero dizer que as pessoas racistas estão necessariamente erradas quando julgam pessoas de diferentes etnias. O que eu realmente quero dizer é que estão necessariamente erradas quando julgam etnias, porque o facto de alguém ser duma etnia diferente não significa que essa pessoa seja  má. Significa que é diferente, unicamente.
     Este erro acontece por causa da forma dos preconceitos. Os preconceitos são sempre concebidos por indução, que é um tipo de conclusão que generaliza casos particulares. Por outras palavras, as pessoas racistas conhecem alguns casos de pessoas más de etnias diferentes e culpam toda a etnia, discriminando qualquer pessoa dessa mesma etnia. Por eles não conhecerem essa pessoa e a julgarem imediatamente como má, isto é, na minha opinião, pura ignorância e, consequentemente, para rejeitar.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

utopia, perfeição, tédio

     Não consigo mais. Cheguei ao meu limite de compreensão. Não sei o que vem à frente -- e, sinceramente não sei como descobri-lo, mas também desconheço o interesse que isso pode ter.
     O ceticismo instalado em mim leva-me a crer que cheguei ao fim deste caminho. Não acredito que haja algo mais aqui. Tudo vem e me atravessa, não me marcando minimamente. E isto não pode ser problema meu, não: a minha indiferença em relação a este espaço deve-se à sua impossibilidade de progresso e à inexistência de uma margem de melhoria. A única forma de voltar a descobrir, de continuar, é livrar-me desta barreira, virando ao lado, desistindo -- porque nada está por detrás dela.
     Nunca pensei que a perfeição na concretização de uma utopia pudesse ser tão vazia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

o respeito e a dignidade humana na atualidade

     Acerca da importância do percurso dos indivíduos para a formação da mentalidade e da personalidade não creio que hajam dúvidas válidas, pois a forma como o mundo é interpretado e os conceitos definidos dependem da educação que condicionou a pessoa em análise.
     Deparemo-nos, então, com a seguinte questão: qual o meio e a educação que nos condicionam, hoje em dia? Não é certamente o justo e o injusto, o correto e o incorreto - pois essas conceções não são vistas como mais do que filosofias inúteis. O objetivo da vida parece, então, consistir na utilidade e, se repararmos na forma como o sistema educacional e político está montado, não é difícil compreender que este é regido em função da economia, em vez da economia em função da política.
     O capitalismo e o fim da utilidade alcançaram, na sociedade, uma importância tão extrema que, para a dignidade, resta apenas uma ínfima preocupação. Não vemos certamente os nosso políticos a assumirem os seus erros ou a negar o dinheiro -- mesmo que, para a sua obtenção, esteja a corrupção implícita.
     Onde estão os valores de respeito, de dignidade e de justiça? Enclausurados em documentos tidos como supremos -- mas quantas vezes foi praticada uma ação contra o que defende a Declaração Universal dos Direitos do Homem? E quantas vezes foi praticada uma ação inconstitucional? Apontar-me-ão, talvez, o número de detenções feitas pela polícia; mas os que o fizessem estariam a esquecer-se da ineficácia policial frequente e dos crimes que nunca chegaram a ser revelados -- porque crime não é, de certeza, apenas roubar ou matar alguém fisicamente: crime é matar-se a si próprio e aos outros, quer materialmente, quer em dignidade -- e e não poderia eu estar mais confiante de que cumprir uma ação pelo resultado que dela pode advir é acabar com a dignidade própria.

O Cristianismo enquanto plágio e fraude

     É indubitável a importância da astrologia nas nossas vidas, refletida na base da estruturação da humanidade.
     De facto, o Homem sempre adorou o Sol, porque este fornecia calor, visão e segurança, protegendo do frio da noite e dos predadores que poderiam eventualmente atacá-lo; para alem disso, permitia a vida e as colheitas. Dada a sua importância, o Sol passou a representar uma entidade superior e admirável, um criador nunca antes visto: Deus. Sendo que Jesus Cristo era o seu filho, este representava a luz, o calor e o dia; e, sendo que esta existência é meramente simbólica (ou representativa) o cristianismo é um plágio à adoração do Sol, onde o Sol é substituído por Cristo e a ele é prestada a adoração originalmente prestada ao Sol.
     Mais se agrava quando temos a noção deste problema não se prender apenas a isto, mas sim por não ser uma paródia original: por volta de 2600 a.C., é criado o mesmo mito, mas com diferentes designações, existindo um Hórus egípcio, em vez dum Cristo romano, e, no espaço de tempo entre a suposta existência de Hórus e a de Cristo, estão muitas outras religiões com o mesmo mito e designações diferentes. Todos os acontecimentos que se relacionam com a existência de Cristo, desde o seu nascimento à sua morte, passando pela sua mensagem, estão baseados em acontecimentos astrológicos, utilizados já em outros mitos de outras religiões. Ora, sendo que em tudo a história de Cristo é um plágio, torna-se visível em que medida o cristianismo é uma fraude e uma mentira convincente.
     Ilustrando esta ideia, temos a biografia de Hórus. Hórus nasceu a 25 de dezembro e a sua mãe era a virgem Ísis-Meri. O seu nascimento foi acompanhado por uma estrela a Este, seguida por três reis. Aos doze anos, foi professor e aos trinta Anup batizou-o. Tinha doze discípulos com os quais viajou, fez milagres como curar doentes e andar sobre a água. Tinha alcunhas como A Verdade, A Luz, Filho Adorado de Deus, Bom Pastor e Cordeiro de Deus. Foi traído por um dos seus discípulos, crucificado, enterrado e ressuscitou três dias depois. Não é esta história semelhante à de Cristo? Agrava-se tudo isto quando se tem noção de que nem a história de Hórus é um acontecimento histórico, mas sim uma interpretação metafórica do que se passava na Natureza.
     Contudo, há que admitir que é descabido afirmar que a história em que a sociedade judaico-cristã se baseou durante séculos e séculos é uma mentira, pois, como é sabido, é comum que as mentiras sejam rapidamente reveladas. É um pouco improvável que uma história tão falaciosa tenha dominado uma sociedade tão vasto, a ponto de estar enraizada na grande maioria das pessoas.
     É necessário salientar que a única prova de que Cristo existiu é a escrita bíblica, que é apenas um livro com teorias morais, não um livro com factos históricos. Seria de esperar que uma pessoa que teve um impacto tão grande fosse mencionada pelos historiadores da épica, mas estes foram numerosos e nenhum deles documentou esta personagem, à exceção de quatro deles: Plínio, Suétonio e Tácito falam apenas em cerca de duas ou três frases, não para referir o nome duma pessoa, mas sim como adjetivo ou cognome, pois "Cristo" significa "escolhido; e Josefo, que foi provado ser uma farsa, já há alguns séculos atrás.
     Por tudo o que foi dito, pode-se concluir que o cristianismo é uma fraude, plagiada de religiões anteriores ao mesmo, com fundamentos meramente astrológicos e míticos, e não históricos.

sábado, 10 de dezembro de 2011

a aceitação como obstáculo ao crescimento

«Para se chegar a adulto, é preciso atender aos desejos, alimentar a contradição, colocar a questão do porquê, não aceitar tudo em silêncio.»
Sigmund Freud

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Christina Aguilera: Stripped


Intro

Waited a long time for this.
It feels right now.
Allow me to introduce myself.
Want you to come a little closer,
I'd like you to get to know me a little bit better.
Meet the real me.

Sorry, you can't define me.
Sorry, I break the mold.
Sorry that I speak my mind.
Sorry, don't do what I'm told.
Sorry if I don't fake it.
Sorry I come so real.
I will never hide what
I really feel,
No way!

So, here it is:
No hype, no gloss, no pretense -
Just me
,
Stripped.



Pt. 2

Sorry if I ain't perfect,
Sorry, I don't give a - what?
Sorry, I ain't a diva.
Sorry just know what I want.
Sorry, I'm not a virgin,
Sorry, I'm not a slut.
I won't let you break me,
Think what you want.

To all my dreamers out there: I'm with you.
All my underdogs - ha! - I feel you.
Lift your head high and stay strong.
Keep pushing on.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Aprendi que...

1) ...ninguém é perfeito, enquanto não nos apaixonarmos.

2) ...a vida é dura, mas nós somos mais do que ela.

3) ...as oportunidades nunca se perdem: aquelas que desperdiçamos são aproveitadas por outra pessoa.

4) ...quando nos preocupamos com rancores e amarguras, a felicidade vai para outro lado.

5) ...o sorriso é uma maneira económica de melhorar o nosso aspeto.

6) ...não posso escolher sempre como me sinto, mas posso escolher o que fazer, de modo a sentir-me como quero.

7) ...todos querem viver no topo da montanha, mas a felicidade está na escalada.

8) ...temos de aproveitar as viagens e não pensar apenas na chegada.

9) ...quanto menos tempo se desperdiça, mais coisas podemos fazer.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A filha do Rei I

      Naquela manhã, o azul era fresco. Húmido, devido ao poder de absorção dos jardins.
    Constança abrira as janelas grandes e verticais do seu quarto. As cortinas esvoaçavam para dentro do quarto, animadas pela brisa cantante que fluía no ar. Para a melhor ouvir, fechou os olhos, com um sorriso leve, de quem sonha com algo agradável. Ao inspirar fundo, sentiu a cultura da sua terra ser absorvida por si, detetando o aroma a musgo. Daquela forma, pôde sentir os humildes senhores do povo, enquanto lavravam, pela matina, as couves que as cozinheiras lavariam e cozeriam, para si e para a sua larga família. Uma família que não lhe significava muito, pela escassez de sentimento profano.
     Constança não era assim, como os seus irmãos. O seu único irmão mais velho, Raimundo, havia morrido quando ela tinha sete anos. A sua morte sempre lhe foi um mistério. Mas Constança nunca tinha gostado muito do irmão. Este, por ser o sucessor natural da Coroa, havia sido sempre muito mimado, e havia-lhe sido incutido o espírito de que deveria ser forte, tal como um cavaleiro, para prosseguir na expansão do território do Reino. Por isso, nunca havia brincado com a irmã mais nova, porque um Rei não brinca com as meninas. Isso seria sinal de fraqueza.
     As suas duas irmãs mais velhas, Teresa e Sancha, eram muito boas raparigas. Dóceis, nunca a haviam tratado mal. Mas ambas eram muito corretas, excessivamente, na opinião de Constança, boas. Não tinham o desplante de correr pelos campos, sujar os vestidos, oferecer flores aos camponeses e aos escravos. Teresa sempre ambicionara ser uma boa senhora e nela se depositaram os valores de castidade e superioridade real. Sancha não era tão pragmática, mas era muito calma. Não olhava Constança com desdém, quando a via rir e cantar, mas sorria solenemente -- e prosseguia na leitura dos grandes livros religiosos. Constança sempre a achara muito dogmática, muito correta e harmoniosa. Admirava a sua tolerância, mas a irmã parecia-lhe uma pessoa fúnebre, intelectualmente falando.
    Tivera mais quatro irmãos e duas irmãs. Afonso e Pedro tinham o caráter elitista de Raimundo e, por isso, nunca lhe deram atenção. Nem ela quisera a atenção de rapazes que se julgam melhores do que as senhoras. Olhava-os com desprezo quando os via competir entre si, para ver qual o melhor governante. Uma vez por outra, discutia e gritava com eles, quando os via atirar tomates aos camponeses que trabalhavam a terra. As aias vinham acudir, que a menina está louca.
    Fernando nascera em Noyon, aquando da visita à comuna francesa. Constança tinha, na altura, seis anos. Lembra-se, ainda hoje, de ver o defunto irmão a passar pelos senhores (que, na opinião de Constança, eram isso mesmo: senhores) que trabalhavam na reconstrução da catedral, que havia sido incendiada, e dizer, com ar presunçoso, que não faziam mais do que a sua obrigação. Ao ver o cocheiro abanar a cabeça, descontente, Constança disse, contrariamente, que estavam a ser úteis ao seu Reino. O pai interveio, reforçando o ponto de vista da filha, alegando que era necessário fortalecer as obras públicas, de modo a que a população ficasse bem alojada e, assim, não se sentisse descontente com o Rei. De imediato, a mãe findou a conversa, porque uma menina não se deveria interessar com essas coisas. Teresa soltou um guinchinho malicioso e Raimundo esboçou um sorriso afetado. Isso permitiu a Constança refletir que talvez fosse por aquilo que o pai era chamado de o Povoador.
    O quinto e último filho da Corte fora Henrique. Nasceu em 1189, no ano da morte de Raimundo. Constança sempre tivera a esperança de que este irmão fosse melhor do que o perdido, mas, infelizmente, este sempre fora muito apático e melancólico. Raramente o via pelo Castelo, e, quando o via, parecia estar sempre de saída, sem, vez alguma, conversar muito.
    Constança tivera mais duas irmãs, Branca e Berengária. Porém, as irmãs nunca se misturaram muito com ela, tendo sido as bonecas de brincar de Teresa. Rapidamente, começaram a parecer-se a ela e a adotar os seus hábitos presunçosos.
    Soube-se, ainda, da ajuda financeira que o pai dera a mais cinco crianças de senhoras com quem simpatizava, que costumavam, de tempos em tempos, passear pela Corte; mas com essas crianças, por algum motivo incógnito, nunca tivera autorização para brincar. As aias, com um ar severo, repetiam-lhe que uma menina tão nobre como ela não se devia misturar com aquelas crianças.

Continuação em A Filha do Rei II.