sábado, 29 de outubro de 2011

Condutora

Sou um livro complexo, difícil de ler.
Não gosto de me despir para os outros, prefiro ser despida pelos outros - demoradamente, subtilmente. Porque para se despir alguém dessa forma é necessário ir obtendo autorização aos poucos e poucos a cada porção de corpo para ser despida. É necessário ter em consideração a forma como a pessoa se sente e como pensa para se conseguir chegar até ela, caso ela não se dê imediatamente. É preciso, portanto, dar importância à pessoa objeto de estudo.
E é assim que gostava que todas as pessoas fossem. Mas que unicidade teríamos nós, livros que se deixam ler apenas por leitores atentos, se elas o fizessem?
As palavras estão todas lá, não me recuso a ser compreendida. Aceito qualquer leitor que se candidate a ler-me. O que me distingue é que faço propositadamente de forma a que apenas alguns me queiram ler, a que apenas alguns me conheçam. A apenas aqueles que, a meu ver, valem a pena. Apenas os que realmente merecem conhecer-me se esforçam por me compreender.
Creio que é por isso que, não obstante a minha devoção à literatura, não sou uma escritora muito conhecida pela blogosfera.
É preciso intelectualidade para me apreciar como mais do que o mero animal social que na prática por vezes transpareço ser: a rapariga que, despreocupada com a aparência física, conhece quase toda a gente, se dá bem com quase todas as pessoas que conhece e é facilmente encontrada, devido à frequência e à sonoridade com que ri. Porque eu não penso apenas, não sou toda profunda. Tenho a minha superfície, que se revela uma criança risonha.
Sou, portanto, difícil de reconhecer enquanto escritora para quem me conhece a partir da superfície e difícil de reconhecer enquanto espírito alegre e brincalhão para quem me conhece a partir do fundo. É preciso conhecer-me a partir do intermédio para poder considerar normal a minha bipolaridade. É preciso, por exemplo, ver-me ou ouvir-me conversar com alguém com quem me dê bem. Elejo esta situação como uma boa representação do exposto porque, enquanto converso, sou, por um lado, de sorriso fácil e, simultaneamente, de palavras complexas.
Não são precisas, em suma, cortesias para ter a minha atenção, mas é preciso intelectualidade para eu ter a atenção dos outros.

Transporte

Controlo Demente... Porquê Controlo? Porquê Demente?
É um nome, a meu ver, intrigante para um blogue. Obriga a refletir para a compreensão da sua adoção.
É assim que eu gosto de me apresentar: como um livro que não se recusa a abrir, mas que não se abre completamente de livre vontade.
Para eu não entregar superficialmente o meu íntimo, deixando-o, por isso, podre e oco, torna-se, não obstante, fulcral cultivá-lo algures.
Durante muito tempo, guardei-o para mim, cru, completo. O resultado dessa atitude foi sufocar-me em mim própria, nas minhas próprias emoções. Abster-nos de nos expressar custa demasiado. Não tendo com quem me expressar, porque ninguém parecia interessado em me olhar para além dos meus olhos, e, não produzindo arte, acabava por nunca me expressar, o que me remetia a uma profunda agonia de sentimentos que me impedia de pensar racionalmente. Eu sentia que precisava expelir o que sentia, mas não tinha com quem.
Não achando confortável esse conforto que é não nos potencializarmos, decidi fazer-me à estrada e percorrer o caminho que eu própria ia criando. Esse caminho chama-se Controlo Demente.
Controlo porque é a gestão das minhas emoções, que permitem libertar-me de fatores que condicionam a minha ação e que, sem o fazer, me impediriam de caminhar com os meus próprios pés.
Demente porque, propositadamente, não controlo as minhas emoções na íntegra, para que não me torne individualista e fria. Este termo foi eleito após analisar o meu tipo de escrita, que, sobretudo naquela altura, é caraterizada pela forma psicadélica, com uma conotação um tanto ou quanto surrealista.
Assim, dentro duma viatura feita de tristeza, felicidade, raiva, cansaço, calma: uma viatura de tejadilho aberto, vou inundando cada pedaço de estrada com paixão, deixando evidente o amor que transborda do mundo até mim e de mim a todo o mundo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

cristalina sedução



Os seus pés caminhavam na diagonal, esperançosos de encontrar o motivo pelo qual o seu coração se atirava desmesuradamente contra a sua caixa torácica, num ritmo cada vez mais difícil de medir e impossível controlar. O suor das suas mãos era frio e transparecia a ansiedade que fazia o seu estômago contorcer-se e vibrar, qual arrepio profundo.
Estagnada no alto daquele lance de escadaria, ela sentiu o tempo parar por momentos, apenas para ela, num espaço que mais ninguém conseguiria presenciar, por mais que para tal se esforçasse: essa dinâmica metafísica que a fazia não sentir corpo e sentir só alma, uma alma de repente dormente após o alcance da sua frequência cardíaca máxima; esse segmento de reta que se debruçava dos seus olhos até a todo aquele corpo igualmente imobilizado, paralisado pelo aparecimento da surpresa por que esperara longos anos. Nessa pista que apenas nela, única corredora, ganhava formato, fez o seu corpo escorregar mais calmamente até à meta, onde largou o fôlego de uma vida esperançosa daquele repouso.
Despindo-se de tudo o que poderia colocar-se entre si e o seu prémio de consolação, pousou, qual pássaro fatigado, no calor do seio fraterno, cujo bafo se fazia sentir humidamente nos seus lábios. E, finalmente envolta pelos braços de um condutor que a protegia contra si carinhosamente, ela deixou a sua alma dançar ao ritmo da melodia que ambos compunham, demoradamente,  irresistivelmente.
A adoção do adagio enquanto ritmo mais expressivo da paz intensa que dos lábios humedecidos emanava, nada pacífico restando para as mãos, submersas à força a que não haviam resistido, revelou-se incapaz de saciar a reposição dos átomos que desempenhavam a função única de fazer cumprir as ordens que a mente havia deliberado, antes de adormecer em inconsciência aprazível. E foi assim que se deixaram subtilmente deslizar em larghissimo, coordenados inequivocamente em sintonia mística de origem desconhecida.

os fins (não) justificam os meios

Os fins justificam a concessão de meios.
(N. Maquiavel) 
 
    A expressão apresentada é um dos princípios de Maquiavel. Este, achando do dever de um governante proporcionar as melhores condições de vida possíveis aos seus governados, considera que este deve, simultaneamente, lutar pela obtenção das variáveis do bem estar e transparecer uma imagem de liderança forte.
    Assim, o que a expressão representa é a máxima do utilitarismo, defendo que o líder deve fazer de tudo para alcançar o que é preciso, sendo todo e qualquer meio justificável perante um fim lícito.
    Esta visão sofre, a meu ver, de uma tremenda falha, que consiste na imprecisão do que pode ser ou não um fim nas ações humanas. Esquecem-se os que defendem esta máxima de que cada ação é singular e de que, ainda que o pensamento perspetive o futuro e os possíveis resultados relacionados, o pensamento e a ação diferem. A ideia de que certas ações são meios e outras são fins é, portanto, errada. As ações são um fim si mesmas, sendo, por isso, julgáveis independentemente, porque, por mais que alguém cometa um erro para alcançar um bem, o erro permanece num tempo e num espaço diferentes do bem e, por isso, essa ação não deixou de ser errada.
    Aquilo por que todos, e com destaque para os governantes, devem procurar fazer é conciliar aquilo a que chamam meios com aquilo a que chamam fins, tendo sempre na mais elevada consideração os meios, porque estes, sendo as ações fins em si mesmas, não são justificáveis pelos seus fins.

sábado, 22 de outubro de 2011

demo + kratos

«As pessoas não deveriam ter medo dos seus Governos. Os Governos é que deveriam ter medo das suas populações.»
V, em ming au

viver sem pensar

«O que é terrível não é a morte, mas sim as vidas que as pessoas vivem ou não vivem até à sua morte. Elas não honram as suas vidas, elas mijam nas suas vidas. Elas cagam-lhes em cima. (...) Elas engolem (...) sem pensar. Em breve esquecem-se de como pensar, deixam os outros pensar por eles. (...) A maior parte das mortes das pessoas são simuladas. Não há mais nada para morrer.»
Charles Bukowski, em shh..it's just a dream

sábado, 15 de outubro de 2011

aprovado

  1. Publicar o selo e o blogue de quem o indicou. 
  2. Publicar o questionário e responder.
  3. Indicar dez outros blogues e avisar os seus donos.
♥ Pieces Of Stories: Selos ✽


  1. O que eu mais gosto em mim.
    Definitivamente, a minha parte psicológica. O quê, mais concretamente, não sei bem... Talvez o facto de ser muito crítica.
  2. O que eu menos gosto em mim.
    Sei lá, talvez alguns pormenores físicos... Eh pá, sinceramente não sei, porque eu gosto imenso de mim própria e não acho de grande relevância os aspetos que em mim não aprecio muito.
  3. Se eu ganhasse o Euromilhões, eu...
    Possivelmente, tentaria redistribuir o dinheiro de forma justa pelas pessoas mais carenciadas. Ou então comprava o que aos outros lhes falta e dava-lhes, não sei. Não gosto de pôr hipóteses, especular...
  4. Citar dez coisas sem as quais eu não viveria.
    Ar, água, comida, corpo, amor, filosofia, força de vontade, sinceridade, diálogo e arte.
  5. Qual o significado do blogue para mim.
    O blogue, este blogue, é o espaço onde exponho as minhas composições artísticas e críticas, a que junto também outras coisas que me agradam e acho que deveria partilhar com o mundo. Sem ele, poderia continuar a satisfazer-me, escrevendo exclusivamente para mim. Porém, sinto prazer em partilhar e expor o que faço, depois de o fazer para mim. Aqui liberto emoções através de palavras que não profiro oralmente. Quando digo algo a alguém, por mais belo que me pareça, não o publico aqui - e vice-versa. Por isso, este blogue para mim significa um complemento da expressão linguística dos meus pensamentos.
  6. O que é a beleza para mim.
    Um conceito filosófico muito banalizado, que, intimamente, se define pelo bem, pelo prazer e pela justiça. Algo é belo quando me parece sincero e me provoca prazer ou quando lhe reconheço bem ou justiça - talvez porque isso me provoque prazer.
  7. Frase que marcou a minha vida.
    You are who you want to be, num filme cujo nome já não me recordo. Lembro-me de ser criança e ouvir isso. Ponderei naquilo durante imenso tempo. Pensei que não era verdade, porque eu poderia querer ser médica e isso sozinho não faria de mim médica. Anos mais tarde, foi a partir desta frase que percebi de que forma é a personalidade humana construída e, necessariamente, que as pessoas podem mudar, e de forma consciente e deliberada: sobretudo, que nós conseguimos escolher as pessoas - e não as profissões - que achamos que devemos ser. Nem sempre eu fui sincera, corajosa, frontal, tolerante ou sensata. Eu olhei para os outros, observei-os, perguntei-me o que é que eu admirava neles e adotei essas mesmas caraterísticas. Afinal, eu sou quem eu quero ser.
 Passo o selo a apenas blogues que nunca tinha divulgado, gostando imenso deles também.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

batimentos de um soldado cansado

A gargalhada que ecoa nas paredes trespassadas. O azul do sabor que deixou de pensar. A apatia consequente do cansaço do entender. Ou que nunca o chegou a fazer.
Fartou-se de se abster, derrubou as muralhas que a razão construiu e desmoronou o controlo em que a felicidade dançava e esvoaçava. Riu-se do meu esforço, antecipando a sua vitória. Dementemente, espezinhou a realização de uma vida e corrompeu a força de vontade: dela zombou e contra ela atentou. Gloriosamente, deleitou o seu corpo ganancioso na plenitude do meu ser, confiante da indistinção entre uma batalha e uma guerra.
Mas essa? Essa não terminou. Nem terminará enquanto o vermelho correr qual atleta pelas cavidades do meu moribundo coração.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"Mais do que maquinaria, nós precisamos de humanidade."



-- O ditador de Tomania, o conquistador de Osterlich, o futuro imperador do mundo!

-- O senhor tem de falar.
-- Eu não consigo!
-- O senhor tem. É a nossa única esperança.

-- Perdoem-me, mas eu não quero ser um imperador. Esse não é o meu ofício.
«Eu não quero governar ou conquistar quem quer que seja. Eu gostaria de ajudar todos se possível: judeus, não judeus, homens negros e brancos. Todos nós queremos ajudar-nos uns aos outros. O ser humano é assim: nós queremos viver da felicidade dos outros, não da angústia dos outros. Não nos queremos odiar e desprezar uns aos outros.
«Neste mundo há espaço para todos e a boa Terra é rica e pode alimentar todas as pessoas. O estilo de vida poderia ser livre e lindo, mas nós perdemo-nos no caminho. A ganância envenenou as almas dos homens, construiu no mundo uma barreira de ódio, guiou-nos para o caminho da angústia e do derramamento de sangue.
«Desenvolvemos a velocidade, mas prendemo-nos a nós próprios. A maquinaria que nos dá abundância deixou-nos na necessidade. O nosso conhecimento tornou-nos cínicos, a nossa inteligência tornou-nos duros e cruéis. Pensamos demasiado e sentimos muito pouco. Mais do que maquinaria, nós precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, nós precisamos de carinho e bondade. Sem essas qualidades a vida será violenta e tudo será perdido.
«O avião e a rádio aproximou-nos, mas a natureza destas invenções grita em desespero pela bondade do Homem -- grita pela irmandade universal e a unidade de todos nós -- mesmo agora, que a minha voz está a alcançar milhões no mundo, milhões de homens desesperados, mulheres e crianças pequenas, vítimas de um sistema que faz os homens torturar e aprisionar pessoas inocentes.
«Para aqueles que me conseguem ouvir, eu digo: não desesperem! A miséria que está entre nós é a passagem da ganância, a amargura dos homens que receiam a forma do progresso humano. O ódio dos homens passará e os ditadores morrerão -- e o poder que eles retiraram às pessoas voltará para as pessoas -- e enquanto os homens morrem, a liberdade nunca perecerá.
«Soldados, não dêem as vossas almas a brutos: homens que vos desprezam e vos escravizam; que regem as vossas vidas e vos dizem o que fazer, o que pensar, o que sentir; que vos exercitam, vos alimentam mal, vos tratam como rebanho, vos usam como forragem de canhão! Não se entreguem a estes homens artificiais -- homens-máquina, com mentes-máquina e corações-máquina! Vocês não são máquinas! Vocês não são rebanho! Vocês são homens! Vocês têm o amor da humanidade nos vossos corações. Vocês não odeiam: só os que não são amados odeiam -- os não amados e os artificiais. Soldados, não lutem pela escravidão: lutem pela liberdade!
«No décimo sétimo capítulo de S. Lucas está escrito: o reino de Deus está dentro dos homens -- não de um homem, nem de um grupo de homens, mas em todos os homens: vocês! Vocês, o povo, têm o poder -- o poder de criar máquinas, o poder de criar felicidade! Vocês, o povo, têm o poder de fazer esta vida livre e linda, de fazer desta vida uma aventura maravilhosa! Então, em nome da democracia, vamos usar esse poder, vamos todos unir-nos! Vamos lutar por um novo mundo -- um mundo decente, que vai dar aos homens uma oportunidade de trabalhar, que vai dar aos jovens um futuro e aos idosos uma segurança! Prometendo estas coisas, os brutos alcançaram o poder, mas eles mentiram: eles nunca cumpriram a sua promessa, eles nunca o farão! Os ditadores libertam-se a si próprios, mas escravizam as pessoas! Agora vamos lutar por alcançar essa promessa, vamos lutar para libertar o mundo, para acabar com as barreiras nacionais, para acabar com a ganância, com o ódio e a intolerância! Vamos lutar por um mundo de razão -- um mundo onde a ciência e o progresso nos levarão à felicidade de todos!
«Soldados, em nome da democracia, vamos todos unir-nos!
O Grande Ditador, Charles Chaplin, 1940

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

28. Carta à pessoa que mudou a tua vida

Em seguimento de masoquismo ou culto próprio?.

Por vários motivos, que não competem a mais ninguém saber para além de ti.
Parabéns, meu amor, e que contes muitos mais, a meu lado e tão ou mais felizes como no tempo que temos atravessado.


«Words get trapped in my mind.
Sorry, I do not take the time to feel the way I do,
Because the first day you came into my life
My time ticks around you;

But then I need your voice,
As a key, to unlock all
The love that is trapped in me,
So, tell me when it is time
To say I love you.

All I want is you to understand
That when I take your hand
Is because I want to.
We are all born in a world of doubt,
But there is no doubt,
I figured out
I love you.

And I feel lonely for
All the losers that will never take the time to say
What was really on their mind. Instead,
They just hide away.

Yet, they will never have
Someone like you to guide them
And help along the way

Or tell them when it is time
To say I love you.
So, tell me when it is time
To say I love you

sábado, 1 de outubro de 2011

"Mais um selo pá"

É esse o nome da coisa.

The Reckless Life Of...: Mais um selo pá
Uma vez mais, da Sr.ª D.ª Victória J. Esseker. E é favor não levarem esta designação a sério, que a moça é jovem.

Ora, desta vez, tenho apenas de recomendar cinco blogues ao pessoal. Aqui vão eles:
Aproveito a oportunidade para avisar que o Mentes Sigilosas já está em andamento. Para os que ainda não sabem, este blogue é um projeto de parceria entre mim e a I am the Mastermind, que deverá consistir numa história criada a meias (uns capítulos redigidos por mim, outros por ela), em princípio acerca das visões que uma personagem tem do mundo, as suas contradições e o seu percurso.