quinta-feira, 16 de setembro de 2010

uma consciência contraditória

- Anda, Cármen, não penses.
Uma gota de suor diverte-se com a minha face, como se ela fosse um escorrega de suor. Bem, de certo modo, até o é, se tivermos em conta a forma como este escorre naquele preciso momento da minha cara. Não são poros abertos e molhados, mostrando uma face brilhante, uma testa molhada: são pequenos fios de suor que vão deslizando a uma velocidade relativamente rápida, comparando com a velocidade normal a que as gotas de suor se formam durante actividade física ou momentos de calor.
- Ahh, não me perturbes! Deixa-me acabar isto.
- Oh, mas isto é difícil... e eu não serei capaz de o fazer. Não consigo. Tenho perfeita consciência da minha capacidade física.
- Pára de pensar! Sabes perfeitamente que, quando pensas, vem este idiota, o Pessimismo, e faz-te ver apenas os teus pontos fracos, persuadindo-te de que não és capaz, por questões lógicas. Tu consegues tudo, sabes bem disso.

Agora, é uma gota mais irritante ainda que me provoca. A minha pálpebra direita sente água a escorrer lentamente por ela abaixo e não posso limpá-la, por mais cócegas que faça, pois isso irá alterar o meu movimento e tornar a tarefa mais difícil.
- Deixa-a estar, tu és forte, consegues sempre suportar a dor.
- Se não aguentares, sempre podes parar...
- De nada terá servido o esforço até agora percorrido.
- Tu não aguentas, pára! Não te podem forçar a que algo que não és capaz de fazer.
Fecho os olhos. A minha respiração não poderia ser mais ofegante. Sinto-me exausta. Não tenho forças nas pernas, não consigo elevá-las ainda mais. Não estou a desempenhar o exercício correctamente. A minha garganta implora água. Estou prestes a desistir e a cair a qualquer momento...

Se fosse uma questão de vida ou de morte ou se do teu esforço físico dependesse a vida de alguém que amas, tenho a certeza de que irias descobrir mais força do que imaginas e fá-lo-ias certamente. (Gonçalo Costa)
- Ele tem razão.

Não vou parar, eu não posso parar! Observo um ponto na parede e fixo-o, insultando-o como se fosse o meu alvo. Vá, cabrão, tenta parar-me. Vamos ver se consegues.
- Já só faltam quatro vezes...
Anda, caralho! Tenta! Experimenta só! Eu vou conseguir. Eu consigo. Eu sou capaz e sê-lo-ei sempre!

Já está.
- Muito bem, viste como conseguiste? Eu disse-te que conseguirias!
- Sim, mas foi por um triz...
- Não foi nada. Ela conseguiu por vontade própria.

Fim do diálogo entre o demónio e o anjo dentro de mim. Agora, calem-se, desapareçam, porque vou tomar banho.