domingo, 26 de setembro de 2010

o fim da solidão

Dizem que não devemos ser agressivos para com os nossos, que não devemos discutir, que devemos manter a paz. Porém, quebrar esta cordialidade por vezes pode revelar-se a atitude não só mais útil, mas também a mais sincera e fortalecedora.

A acrescentar à incompreensão e à rejeição, os maus-tratos e descargos injustos de má-disposição.
Depois de algum tempo, aprendemos que, quando estamos com raiva, temos o direito de estar com raiva, mas isso não nos dá o direito de ser cruel. (William Shakespeare)
Chegou a mandar-me para o caralho. Depois de estar com os amigos, ficou mais bem-disposto e começou a meter-se comigo, mas eu não lhe dei atenção:
- Ah, agora já estás mais bem-disposto?
- Não - Havia uma nota de divertimento na sua voz, enquanto que uma expressão alegre e brincalhona fluía no seu rosto.
- Então, quando estiveres bem-disposto e disposto a falar sobre o trabalho de Português, avisa-me, sim?
Não tive paciência para ser compreensiva. Eu, que andava cada vez mais triste, sem ter a atenção de ninguém, tinha sido mal-tratada só porque ele tinha acordado mal-disposto. Esperava o quê, que esquecesse o assunto, como de tantas outras vezes? Orgulho-me de não ser de ferro!
Durante a aula seguinte, uma amiga nossa, que a meu lado estava sentada desde o princípio do dia, perguntou-me diversas vezes o que se passava comigo. É claro, eu não ia perturbar a aula com os meus problemas de adolescente estúpida, até porque ela não pode dar-se ao luxo de não prestar atenção a uma disciplina à qual tem muitas dificuldades.
Claro está, depois de muito pressionar, decidi dar-lhe as minhas palavras vagas, como é habitual. Não era minha intenção contar tudo o que se passava comigo, até porque não queria admitir-lhe que até ela me estava a magoar, iria parecer egoísta da minha parte.
Quando dei por mim, estava já irritada e tinha dito tudo o que sentia, até aquilo de que tinha vergonha e não queria contar a ninguém.
Ele estava sentado à nossa frente, mas aparentemente não estava a prestar atenção, pois mantinha o olhar ligeiramente acima da minha cabeça e os auriculares nos ouvidos. Julguei que não tivesse ouvido nada e, em parte, fiquei satisfeita.
Finalmente, autorização de saída. Não me demoro a levantar, quero sair dali. É então que ele, em vez de se dirigir para a saída, se volta para trás e estende os seus braços para mim. Os meus olhos já estão envidraçados de mais para disfarçar e eu estou demasiado fragilizada para lhe negar o apoio, para além de que seria rude e ingrato da minha parte.
As suas poderosas asas envolvem-me a cintura e as costas. Eu pouso os meus braços nos seus ombros e rodeio-lhe o pescoço. É inevitável chorar.
Repete-me inúmeras vezes que não me abandonará e que não estou sozinha, fazendo-me lembrar de eu ter escrito que não precisava de palavras reconfortantes, apenas de um abraço.
- Eu sei que aquilo pelo que estás a passar é difícil - Ele tem razão no que diz. Não está a falar só para me reconfortar, está a ser sincero. Ele realmente sabe que é difícil perder a pessoa que mais amamos. Eu estou a perder a minha com dezasseis anos, ele perdeu a dele com catorze. As minhas mãos apertam o seu casaco com força e solto um soluço. -, mas a vida é mesmo assim: umas pessoas vêm, vão outras, e tu tens de ser forte. Tu vais ultrapassar isto, mas não o vais fazer sozinha, tu tens-me a teu lado. Eu não te deixarei, tu não estás sozinha. Às vezes pode parecer, mas não o estás!
Acho que já estou mais calma. Vou parar de ocupar o seu tempo. Largo os seus braços e afasto-me suavemente, mas ele insiste em voltar abraçar-me. Choro compulsivamente, enquanto ele me pede desculpa por ter sido rude comigo de manhã, mais do que uma vez. Beija-me no ombro e eu seguro o seu rosto entre as minhas mãos. Prometo-lhe já não ter importância, mas ainda assim ele insiste em desculpar-se. Apenas com um olhar directo e um beijo na face ele fica convencido.
Escusado será dizer que a professora reparou na situação. Também ela me abraçou e se preocupou comigo. Aparece, então, na sala, o Gonçalo, com um sorriso brincalhão:

- Ouvi dizer que alguém estava a chorar...
Não posso criticar o Rosso de forma negativa, pois sei que entre eles os dois há uma grande confiança. Cresceram juntos, passaram toda a sua vida lado a lado, para além de que é óbvia a minha confiança com ambos.
- Pois, mas já perdeste a parte das lágrimas. - diz a Rebeca.
Parecem agora determinados a animar-me.
- Ohh!
- Agora só apanhas a parte do vermelhidão na cara.
Uma risada geral terminou um episódio de solidão e carência afectiva.

Foi bom. Foi muito bom.
Não quero voltar a chorar por tudo e por nada.
Não quero voltar a abrir os livros e ficar horas a olhar para eles, sem vontade de os ler.
Maus tempos aguardam-me... mas agora sinto-me preparada para enfrentá-los. Vou passar por uma época difícil, mas agora sinto-me pronta para o que der e vier.
Agora, estou preparada para enfrentar o que aí vem. E porquê?
Porque, acima de tudo, não estou sozinha.

4 comentários:

Sílvia disse...

É sempre bom quando temos o apoio dos nossos amigos!
Espero que consigas ultrapassar esta fase menos boa*

Anónimo disse...

Sílvia : É verdade! Por mais difícil que seja ultrapassar os problemas, quando tenho pessoas que me amam de verdade sinto-me muito mais segura e confiante, mais forte. Obrigada!

Adriana disse...

Fico contente por saber que estás em boas mãos. O que eu não dava para estar aí... =)
Adoro-te, mais que muito.
Beijos!

Anónimo disse...

Adriana: (canta) Eu dava tudo para te ter aqui, ao pé de mim, outra vez! :D Vá, menos teatro.