domingo, 6 de novembro de 2011

o crepitar de um novo começo

Nas poltronas escarlate, ouve-se o crepitar das labaredas a consumirem os troncos de uma antiga vida, uma vida verde e fresca. É assim que as árvores, na verdade, permanecem eternas: estando presentes, são verdes e frescas ou vermelhas, quentes e secas; ausentes, são desejadas e recordadas.
Aquecidos por aquela fonte de vida (natural, como não o podia deixar de ser, sendo vida), os pés daqueles jovens sentiam-se Reis modestos, que, sendo importantes, não se adornam luxuosamente. Os dele espreguiçavam-se em algodão cinzento, os dela preguiçavam em lã rosa claro, da clareza rosa do algodão doce, coberta de borbotos.
Um terceiro, o grande, rodopiava colheres de madeira em tachos e panelas de inox, fazendo dessa magia que liberta odores que fluem no ar e despertam o apetite a que se chama culinária.
- Martini ou Beirão? - Inquiriu, aproximando-se da única pessoa que apenas movia os dedos, ao virar as páginas de algum romance ou alguma novela.
- Nada, obrigado. Não bebo uísques. Ou melhor, não sou consumidor de bebidas alcoólicas.
- Que sujo que me sinto! - Disse, rindo. - Sou a única pessoa aqui que bebe.
Ela deixava a tinta jorrar ao som de Chopin, coordenada por pensamentos progressivamente organizados.
- O que estás a fazer, comilão anónimo? - Este, por sua vez, tentou esboçar oralmente palavras, mas foi impedido pelo recém condenado a bolo alimentar, o que os fez, a ela e ao seu amigo leitor, rir. - Como é que eu já sabia?!
- Conheces-me muito mal, tu - conseguiu finalmente professar. - Jardineira.
Menos concentrada, levantou os olhos dos manuscritos. O seu amigo também já não lia. Pelo contrário, olhava, abstrato, para a lareira. Imitando-o, conseguiu perceber a mensagem que o corpo feminino e curvado das chamas que dançavam cantava, compreendendo porque sorria vagamente, de satisfação. Ao sentir olhá-lo, suspirou como quem sai de um mergulho, continuando a sorrir, e retribuiu-lhe o olhar. Por sua vez, ela pegou na sua mão e prometeu-lhe, com um sorriso dos maiores que tinha:
- A tua vida nunca voltará a ser o que era, meu caro!

8 comentários:

Riga/V-1-Boy disse...

acho que depois vais ter de me descodificar isto.lol

Adriana disse...

Adorei! =) Fez-me lembrar uma mistura da história de Oliver Twist com a escrita do Fernando Pessoa. É o tipo de história curta que gosto de ler e/ou escrever, com diálogos simples, mas que, no entanto, nos deixam perfeitamenete satisfeitos.

Anónimo disse...

Adriana:O que mais me encanta na narrativa são as descrições, adoro o realismo... a descrição do espaço de forma apaixonada... daí eu achar que sofro grandes influências de Eça de Queiroz.
Quanto a Oliver Twist... não conheço, pelo menos o nome não me lembra nada. E a Fernando Pessoa... achas mesmo?

H. Santos disse...

"- Que sujo que me sinto! - Disse, rindo. - Sou a única pessoa aqui que bebe."


"- O que estás a fazer, comilão anónimo?"... Reconheço isto =$

Anónimo disse...

H. Santos: Propositado. ;)

Adriana disse...

Eu tenho o livro do Oliver Twist, se quiseres empresto-to um dia. De certeza que já ouviste falar, é famosíssimo. Quanto ao Fernando Pessoa, sim, acho mesmo =P

Anónimo disse...

Adriana: Ser comparada a Pessoa é um grande elogio... Obrigada!
Quanto a Twist, não me recordo, de momento. Mas qualquer livro é benvindo! :)

Adriana disse...

De nada =)
Gosto bastante da história do Twist. Recomendo =D