terça-feira, 9 de agosto de 2011

degradante

Há dias em que não nos apetece comer, falar ou ouvir seja o que for. Dias em que nos levantamos da cama sem saber bem porquê e nos dirigimos à cozinha para comer sabe-se lá o quê. Talvez por hábito, nos encaminhemos a estes sítios e façamos estas coisas. Não é plenamente deliberado e quase, até, involuntário.
Raquel estava num desses dias. Não sabia o que fazer, agora que se tinha levantado da cama por achar que já era tarde: se tomar o pequeno almoço, se tomar um duche. Ambas as ações lhe pareciam inúteis.
"Talvez deva ir comer primeiro, antes que se faça tarde", pensou. Mas tarde para quê? Estava de férias, a casa estava limpa, as tigelas do Rufus com bom aspecto e não tinha compromissos a cumprir. Os amigos haviam todos casado e pareciam-lhe felizes, entre o cansaço do trabalho e o consolo nos seus amados.
"Mas que raio é que eu vou comer a uma hora destas?", resmungou mentalmente. "Daqui a nada são horas de almoço", mas, mais profundamente, perguntava-se se toda aquela disciplina e aquela ordem fariam sentido.
Enquanto esperava o pão acabar de torrar, observava a sua mesa familiar em xadrez vermelho e amarelo. Em tempos, desejara que findassem todas aquelas ridículas e diárias discussões que não a permitiam concentrar-se no trabalho nem descansar em casa. Agora, plena, limpa e arrumada, aquela mesa, aquela cozinha, aquela casa, aquela vida... tudo lhe parecia inexo.
- Come a torrada e cala-te, mas é - ordenou ao seu próprio pensamento. - Reclamas de mais, não sabes olhar para o que tens de bom à tua volta.
No entanto, imediatamente olhou para a sua volta e viu-se repleta de um imenso vazio. Ter uma casa confortável e recheada não era bom, era agradável. Era agradável viver materialmente bem, mas isso não era, de longe, ser feliz. Os objetos não valem sozinhos, têm o valor que lhes é atribuído. E, sem o coração cheio, nem os objetos têm valor. Aliás, estes são os primeiros a deixar de o ter. Uma demonstração prática estava mesmo à sua frente, ou, mais exatamente, nas suas mãos. A manteiga da torrada não tinha sabor, porque a sua mente carecia de sal.
Dois comprimidos jaziam na sua frente, um branco e um amarelo. Frustrava-a saber que dependia de medicação, de drogas, para poder ter um comportamento minimamente razoável. Custava-lhe, por um lado, reconhecer que, sem a medicação, estava doente; por outro, custava-lhe igualmente reconhecer que só estava normal porque estava doente. Isso fazia-a sentir mal quer naturalmente, quer sob o efeito de drogas. Não suportava, ainda, a ideia de lhe ser reconhecida a revolta, os ideais e a força de vontade por doença. Não aguentava a ideia de os seus alunos ou os seus colegas alguma vez virem a pensar que, afinal, era assim tão autónoma e tão independente apenas por causa do seu estado de saúde. Por isso, enfiava aquela merda medicação esófago abaixo e concluía:
- Sou doente.

Smoke. by ~Essz on deviantART

8 comentários:

Riga/V-1-Boy disse...

=) ficou fixe

Anónimo disse...

Obrigada. :)

Sílvia disse...

Está muito bom, pá :)

Anónimo disse...

Obrigada. :D

Sílvia disse...

Aparece no msn, mulher... Não me digas que tens algum stalker atrás de ti xD lol

Anónimo disse...

Não me apetece... ora, só estive um dia fora.

Sílvia disse...

Bem, num post derretes-te... Noutro soltas um ""ohh" contente e envergonhado"... É sempre bom despertar-te esse tipo de reacções ahah xD

Anónimo disse...

S.: É difícil, sim... mas não é impossível. :) De longe, até.