Por entre os corredores profissionais, há jovens que vivem - de forma natural ou propositada - histórias, por si próprios construídas - lenta ou rapidamente. Mas isso é no presente. No futuro, apenas restarão as memórias das pegadas esquecidas e dos caminhos lembrados, daqueles que os traçaram.
Tal como eles, nós também preenchemos as nossas vidas de forma mais ou menos natural. Também nós conversámos no topo das escadas, enquanto a autoridade não vinha, e marcámos o chão com as oscilações dos nossos corpos e escondemos nas paredes a construção ingénua do carinho. E quando o espaço está menos habitado, ainda vejo o teu corpo desenvolvido, de homem, com camisola branca e calças de ganga azuis, erguer os cabelos castanhos e desalinhados com um sorriso ligeiro, sentado no chão, encostado à parede. Por algum motivo, por mais que não sorrisses, as feições do teu rosto transmitiam-me alegria, pureza e tranquilidade. Era reconfortante olhar-te.
No jardim, ainda vejo o teu casaco cinzento a revestir um braço que pousa firmemente nos meus ombros. E por mais que o nosso amigo nos entretesse com entusiasmo, a calma reinava em mim, e por mais que ele falasse, apenas os teus pensamentos inexpressados importavam para mim. O vento rangia nas nossas faces e tu seguravas-me firmemente, e isso bastava-me para ser feliz.
Ainda te vejo rodeado de amigos a tomar o pequeno-almoço e a partilhar maluqueiras (coisas de rapazes...) e isso amendrontar-me, apesar de também eles gostarem de mim. Ainda sinto o nervosismo de te falar, o desejo de fingir que não te vi. Ainda me lembro de te ver observar-me, divertido, com os meus amigos. Também me lembro de almoçar contigo, assim como me lembro de te acompanhar até à sala, através da chuva, e como me lembro, também, dos inúmeros abraços que insistias em dar-me. Contudo, a lembrança que mais prazer e dor me provoca, em simultâneo, é a de te ter no meu colo, sentado, no jardim, pois isso lembra-me também de nunca mais te poder ver, falar ou tocar.
Tal como nós, eles reviverão a sua juventude louca e intensa como parte do passado. Alguns manterão o contacto, outros separar-se-ão, mas as memórias colectivas, essas não podem ser apagadas. Felizmente, já me mentalizei de serem apenas memórias e, por isso, não me quero prender a elas ou alongá-las. Apesar disso me custar, sei que não devo nem vale a pena voltar atrás. Os bancos, as paredes, as escadas, o chão ou o jardim? Esses continuarão no mesmo sítio, a preservar lembranças e a criar novas histórias.
2 comentários:
Muito profundo Carmem , escreves bem parabens.
Antonio Miranda: Obrigada, António. :)
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