O coração aperta e aquece todo o corpo. Lembra-me a sensação de estar apaixonada, mas, na verdade, talvez não seja por isso. A melancolia abala-me, e eu sei que algo está errado. Ou será que aperta porque, ao pensar no que me entristece, lembro-me do que sinto falta?
Por vezes, confundo a realidade com a ficção. Imagino acontecimentos, personagens, e esqueço-me do que, de facto, acontece. Vivo a ficção que a minha imaginação produz e sinto-a como se fosse real. Igualmente, quando certos acontecimentos ocorrem na realidade, menosprezo-os e não os consigo sentir. Isso prejudica-me na realidade.
Costumo sentir saudades de quando isto não acontecia -- dos tempos em que existia realidade, e só realidade, e eu era apenas prejudicada por estar nela. Mas isso, na verdade, nunca aconteceu. Eu sempre vivi a ficção e a realidade, e sempre confundi um e outro cenário. A diferença entre o passado e o presente (e esse? Existe?) é que agora eu tenho noção disto -- e outrora não. Agora eu consigo aperceber-me do que se passa comigo. Antigamente, eu poderia jurar que tudo aquilo era realidade -- e, para mim, era.
Se, então, eu sei o que me está a acontecer e isso me prejudica, por que não o mudo? Eu já provei no passado ser capaz de alterar a ordem das coisas e, inclusivamente, mudar o meu comportamento, quando achava que o devia fazer. A grande oposição é: eu não sei se o quero fazer. Eu não quero trocar as cores de um mundo por um mundo que não me faz feliz.
Eu não quero continuar no compromisso de atividades que não me dizem nada e que me fazem deixar para trás o que me faz deslizar de satisfação. Quero continuar a acordar todos os dias com a motivação de ser um novo dia, com oportunidades para fazer novas coisas, sem lamentar o frio que está lá fora ou as horas de sono que não dormi. Não quero continuar a acordar todos os dias e pensar que adorava não ter de sair da cama. Estou farta deste ritmo que o mundo me impõe, mas que em nada é meu. Quero partilhar com os outros as coisas que sei e, com os outros, aprender novas coisas. Quero continuar a escrever com a paixão de um amor gigante. Quero deixar de fazer batuques discretos com os meus dedos e tocar, efetivamente, um piano. Quero sujar as telas e as folhas com tintas e carvão. Quero viver com a pessoa que mais amo numa casa discreta no meio da floresta. Ultrapassar esta insetofobia que, irracionalmente, me bloqueia e voltar às raízes de toda a humanidade, à simplicidade tão pura e sincera que originou toda esta comunidade corrupta. Porque sim, eu encontrei alguém que me ama assim, com quem quero partilhar toda a minha vida. Alguém que não só conhece toda a minha estranheza, como também a acha bela. Tenho excelentes amigos, acredita, que também gostam de mim, assim como sou. Sempre duvidaste de haver por aí alguém que fosse, mas essa dúvida não era pelas outras pessoas, mas sim apenas tua. Tu nunca aceitaste os mais pequenos indícios da pessoa que eu poderia ser e nunca aceitarás que eu seja como sou. Nunca serás capaz de amar quem eu sou e, portanto, não compreendes como é possível que mais alguém o seja. Tens os olhos cheios de preconceitos que te impedem de ver para além do físico. Eliminas, logo à partida, qualquer hipótese de ser positivamente surpreendido.
Gostava de ter o conforto monetário que me permitisse quebrar todas estas regras que me prendem a um mundo cheio de stress. Mas então surgem os meus conhecimentos de economia a relembrar-me de que o dinheiro não aparece, nem desaparece, apenas muda de local -- e que, para eu conseguir ter muito dinheiro e realizar estes meus sonhos, é preciso que, à minha conta, haja muitas pessoas que ficam longe de saber o que é sequer sonhar. E eu sei que, mesmo que eu não contribua para tal, há-de haver sempre alguém que o faça. Mas eu não quero ser essa pessoa. Não quero ser também culpada pelas injustiças que me revoltam. Não quero matar a beleza que encontrei dentro de mim.
Mas eu sei que não sou a única a sentir estas coisas e a sonhar desta forma. Pelo contrário, tal como eu, há-de haver muita mais gente que, aparentemente, não tem nada de errado, mas que, no fundo, gostava de continuar a ser criança. Por que têm de ser as crianças sempre a única referência de quem corre, ri, brinca, festeja, é sincera e espontânea, canta e dança? Pois eu não quero crescer, não nesse aspeto, e deixar de ser feliz. E eu sei, eu tenho a certeza, que a maioria esmagadora das pessoas sente esta mesma insatisfação dentro de si. Por que, então, não nos unimos todos e nos revoltamos contra este mundo que corrompe as almas?