Naquela manhã, o azul era fresco. Húmido, devido ao poder de absorção dos jardins.
Constança abrira as janelas grandes e verticais do seu quarto. As cortinas esvoaçavam para dentro do quarto, animadas pela brisa cantante que fluía no ar. Para a melhor ouvir, fechou os olhos, com um sorriso leve, de quem sonha com algo agradável. Ao inspirar fundo, sentiu a cultura da sua terra ser absorvida por si, detetando o aroma a musgo. Daquela forma, pôde sentir os humildes senhores do povo, enquanto lavravam, pela matina, as couves que as cozinheiras lavariam e cozeriam, para si e para a sua larga família. Uma família que não lhe significava muito, pela escassez de sentimento profano.
Constança não era assim, como os seus irmãos. O seu único irmão mais velho, Raimundo, havia morrido quando ela tinha sete anos. A sua morte sempre lhe foi um mistério. Mas Constança nunca tinha gostado muito do irmão. Este, por ser o sucessor natural da Coroa, havia sido sempre muito mimado, e havia-lhe sido incutido o espírito de que deveria ser forte, tal como um cavaleiro, para prosseguir na expansão do território do Reino. Por isso, nunca havia brincado com a irmã mais nova, porque um Rei não brinca com as meninas. Isso seria sinal de fraqueza.
As suas duas irmãs mais velhas, Teresa e Sancha, eram muito boas raparigas. Dóceis, nunca a haviam tratado mal. Mas ambas eram muito corretas, excessivamente, na opinião de Constança, boas. Não tinham o desplante de correr pelos campos, sujar os vestidos, oferecer flores aos camponeses e aos escravos. Teresa sempre ambicionara ser uma boa senhora e nela se depositaram os valores de castidade e superioridade real. Sancha não era tão pragmática, mas era muito calma. Não olhava Constança com desdém, quando a via rir e cantar, mas sorria solenemente -- e prosseguia na leitura dos grandes livros religiosos. Constança sempre a achara muito dogmática, muito correta e harmoniosa. Admirava a sua tolerância, mas a irmã parecia-lhe uma pessoa fúnebre, intelectualmente falando.
Tivera mais quatro irmãos e duas irmãs. Afonso e Pedro tinham o caráter elitista de Raimundo e, por isso, nunca lhe deram atenção. Nem ela quisera a atenção de rapazes que se julgam melhores do que as senhoras. Olhava-os com desprezo quando os via competir entre si, para ver qual o melhor governante. Uma vez por outra, discutia e gritava com eles, quando os via atirar tomates aos camponeses que trabalhavam a terra. As aias vinham acudir, que a menina está louca.
Fernando nascera em Noyon, aquando da visita à comuna francesa. Constança tinha, na altura, seis anos. Lembra-se, ainda hoje, de ver o defunto irmão a passar pelos senhores (que, na opinião de Constança, eram isso mesmo: senhores) que trabalhavam na reconstrução da catedral, que havia sido incendiada, e dizer, com ar presunçoso, que não faziam mais do que a sua obrigação. Ao ver o cocheiro abanar a cabeça, descontente, Constança disse, contrariamente, que estavam a ser úteis ao seu Reino. O pai interveio, reforçando o ponto de vista da filha, alegando que era necessário fortalecer as obras públicas, de modo a que a população ficasse bem alojada e, assim, não se sentisse descontente com o Rei. De imediato, a mãe findou a conversa, porque uma menina não se deveria interessar com essas coisas. Teresa soltou um guinchinho malicioso e Raimundo esboçou um sorriso afetado. Isso permitiu a Constança refletir que talvez fosse por aquilo que o pai era chamado de o Povoador.
O quinto e último filho da Corte fora Henrique. Nasceu em 1189, no ano da morte de Raimundo. Constança sempre tivera a esperança de que este irmão fosse melhor do que o perdido, mas, infelizmente, este sempre fora muito apático e melancólico. Raramente o via pelo Castelo, e, quando o via, parecia estar sempre de saída, sem, vez alguma, conversar muito.
Constança tivera mais duas irmãs, Branca e Berengária. Porém, as irmãs nunca se misturaram muito com ela, tendo sido as bonecas de brincar de Teresa. Rapidamente, começaram a parecer-se a ela e a adotar os seus hábitos presunçosos.
Soube-se, ainda, da ajuda financeira que o pai dera a mais cinco crianças de senhoras com quem simpatizava, que costumavam, de tempos em tempos, passear pela Corte; mas com essas crianças, por algum motivo incógnito, nunca tivera autorização para brincar. As aias, com um ar severo, repetiam-lhe que uma menina tão nobre como ela não se devia misturar com aquelas crianças.
Continuação em A Filha do Rei II.
Continuação em A Filha do Rei II.
13 comentários:
Adorei *.*
A personagem faz-me lembrar uma outra, a Arya, da saga "As Crónicas de Gelo e Fogo" de George Martin xb
Verdadeiramente impressionante =)
Adriana: Nem quero saber! :) Não quero criar personagens já criadas...
A única semelhança é serem ambas uma pouco "contra o regime" xb Gosto bastante desse tipo de personagens.
Adriana: Ah, sim, nesse aspeto, então, são muito semelhantes. Nos próximos capítulos vai-se evidenciar que ela é uma rebelde - pelo bem.
Mal posso esperar =D
Gostei muito de ler, mas vou ter de te fazer uma crítica: não achas o vocabulário demasiado complexo para a mente de uma menina?
Olinda P. Gil ©: Sinceramente, não. :) Com a idade dela, já eu falava assim. Para além disso, ela faz parte da Corte, onde a subtileza faz parte do vocabulário.
O problema é que a línguagem também não corresponde à de uma menina numa corte medieval (isto se pretendes ser minuciosa a esse ponto). Nem sequer te podes comparar a ela, pois há uma diferença de séculos.
Olinda P. Gil ©: Hum, é capaz de ter razão...
Mas gostei muito da ideia e do modo como está escrita. E fiquei com tanta curiosidade de saber o que vem a seguir...
Olinda P. Gil ©: :$ Obrigada. :D
Olá! O que eu andei a perder por aqui! :O O meu painel anda doido, definitivamente e não me avisa de nada... Bem, tenho uma palavra para ti: FANTÁSTICO! A sério! :O Já reparei que és uma admiradora de história e acredita que histórias sobre reis, rainhas dão-me um certo sono mas a tua nem sequer me fez sentir um pitada! :O Continua a escrever isto, por favor! :D
Hayley Nya*: Oh, muito obrigada. :$ A sério.
P.S.: Eu sou maluca por história. xD Sinceramente, a Idade Média também me era uma seca, passei mal durante o 10º ano... mas, ao começar a imaginar esta história e ao apreciar HP fiquei um pouco com este espírito rural medieval... e agora interessa-me imenso!
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