Raquel estava num desses dias. Não sabia o que fazer, agora que se tinha levantado da cama por achar que já era tarde: se tomar o pequeno almoço, se tomar um duche. Ambas as ações lhe pareciam inúteis.
"Talvez deva ir comer primeiro, antes que se faça tarde", pensou. Mas tarde para quê? Estava de férias, a casa estava limpa, as tigelas do Rufus com bom aspecto e não tinha compromissos a cumprir. Os amigos haviam todos casado e pareciam-lhe felizes, entre o cansaço do trabalho e o consolo nos seus amados.
"Mas que raio é que eu vou comer a uma hora destas?", resmungou mentalmente. "Daqui a nada são horas de almoço", mas, mais profundamente, perguntava-se se toda aquela disciplina e aquela ordem fariam sentido.
Enquanto esperava o pão acabar de torrar, observava a sua mesa familiar em xadrez vermelho e amarelo. Em tempos, desejara que findassem todas aquelas ridículas e diárias discussões que não a permitiam concentrar-se no trabalho nem descansar em casa. Agora, plena, limpa e arrumada, aquela mesa, aquela cozinha, aquela casa, aquela vida... tudo lhe parecia inexo.
- Come a torrada e cala-te, mas é - ordenou ao seu próprio pensamento. - Reclamas de mais, não sabes olhar para o que tens de bom à tua volta.
No entanto, imediatamente olhou para a sua volta e viu-se repleta de um imenso vazio. Ter uma casa confortável e recheada não era bom, era agradável. Era agradável viver materialmente bem, mas isso não era, de longe, ser feliz. Os objetos não valem sozinhos, têm o valor que lhes é atribuído. E, sem o coração cheio, nem os objetos têm valor. Aliás, estes são os primeiros a deixar de o ter. Uma demonstração prática estava mesmo à sua frente, ou, mais exatamente, nas suas mãos. A manteiga da torrada não tinha sabor, porque a sua mente carecia de sal.
Dois comprimidos jaziam na sua frente, um branco e um amarelo. Frustrava-a saber que dependia de medicação, de drogas, para poder ter um comportamento minimamente razoável. Custava-lhe, por um lado, reconhecer que, sem a medicação, estava doente; por outro, custava-lhe igualmente reconhecer que só estava normal porque estava doente. Isso fazia-a sentir mal quer naturalmente, quer sob o efeito de drogas. Não suportava, ainda, a ideia de lhe ser reconhecida a revolta, os ideais e a força de vontade por doença. Não aguentava a ideia de os seus alunos ou os seus colegas alguma vez virem a pensar que, afinal, era assim tão autónoma e tão independente apenas por causa do seu estado de saúde. Por isso, enfiava aquela
- Sou doente.
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8 comentários:
=) ficou fixe
Obrigada. :)
Está muito bom, pá :)
Obrigada. :D
Aparece no msn, mulher... Não me digas que tens algum stalker atrás de ti xD lol
Não me apetece... ora, só estive um dia fora.
Bem, num post derretes-te... Noutro soltas um ""ohh" contente e envergonhado"... É sempre bom despertar-te esse tipo de reacções ahah xD
S.: É difícil, sim... mas não é impossível. :) De longe, até.
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