quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Maré Estrategicamente Brava

Conteúdo para Adultos


     Cada mulher é um mar de mistérios e atrai a si qualquer marinheiro voluntário. Qualquer vocação marítima encontra em si o próprio conceito atrativo, quase inconsciente. Nenhum marinheiro que goste verdadeiramente do mar consegue passar ao longe, talvez numa ponte qualquer, ver o mar e não sentir qualquer tipo de melancolia agradada. E eu estava precisamente à beira daquele mar que todos os dias me vinha molhando os pés.
     Eu sempre fui daquele tipo de homens que gosta de marés bravas. Não é que, na verdade, o mar seja mau, mas, por vezes, quando está rabugento ou aborrecido, decide chamar um pouco mais atenção, na esperança de haver por perto algum marinheiro aventureiro, que se sinta tentado pela provocação das ondas que rebentam mesmo na sua frente, sabendo que não pode ou não deve mostrar-lhe que o consegue domar.
     É de uma grande capacidade de resistência controlar estes impulsos de valente marinheiro e não ceder às pretensões de um mar bravo, que grita com uma discrição falsa pelos seus navegadores, sedento de ser motivo do esforço físico. Eu dava-me já por satisfeito só por ter a capacidade de deixar aquela maré insistir em se exibir através de espetáculos de insinuações e, num ou outro desejo mais violento, de frontalidades.
     Deveras difícil, para um homem como eu, recusar uma mulher como aquela, tão persistente, mas tão merecedora de submissão. Eu podia nunca me ter interessado em visitar aquela praia, mas aquela mulher, em específico, intrigava-me por se mostrar tão limpa e tão apetecível e, no entanto, recuar tanto a maré. E, após tanto tempo a respeitar o seu espaço e a caminhar a seu lado, ela deixou de ser uma maré brava e vaza, para ser uma maré calma e cheia. Eu, contudo, divertia-me a soprar-lhe os ventos mais fortes, já com os pés calejados de sal de todas as vezes em que ela me refrescou um pouco; porque aquela mulher -- ah! Aquela mulher! Que mulher... -- tentava sempre conter a bravura das suas ondas, que outrora agitava descontente. Eu sabia que ela queria que eu a explorasse e ela sabia certamente que a sua agitação fazia enfatizar a minha atração por mares bravos -- mas ambos sabíamos que a sua praia era demasiado vigiada para que eu pudesse ao menos molhar minhas mãos dentro das suas curvas.
     Mas ela aproveitava cada brecha na segurança para me seduzir até si um pouco mais. Naquele vestido de cetim preto, ela havia deixado discretamente as suas ondas brilharem, tapando as extremidades a renda da mesma pecaminosa cor, como se fossem abas que dissessem, através de telepatia, "abertura fácil". As pernas, quais pedaços de bife, moviam-se de um lado para o outro, destapadas e suportadas pela negra madeira brilhante, que alongam os seus pés e a aproximavam ligeiramente mais da minha altura, conferindo-lhe, simultaneamente, uma elegância vulgar. Mas não era todo esse cheiro que mais emoção me provocava, mas sim o calor que todo aquele volume contido naquele cetim preto emanava, com uma força capaz de me fazer achar que quem está quente sou eu.
     E eu limitava-me a ficar sentado naquela cadeira, numa posição descontraída, oposta ao olhar malicioso que eu lhe oferecia em troco de todo aquele espetáculo, igualmente inocente. Eu jurava a mim mesmo testar os meus limites e resistir-lhe, até mesmo quando ela inclinou todo o seu volume na minha direção e, com as mãos apoiadas nas minhas coxas já ardentes, me sorriu, de olhos escuros e rasgados e sobrolhos mais escuros ainda e bem delimitados. E eu ali, a um palmo daquela mulher que me poderia encher as mãos e as horas, toda fácil e firme.
     Então, ela moveu rapidamente uma sobrancelha apenas, ofereceu-me o seu sorriso, mordeu-o e, antes que eu o pudesse roubar, levantou-se, virou costas e caminhou até à porta por onde me tinha arrastado antes. Parou de balancear o habitual charme e, já agarrada à maçaneta, atirou-me um olhar cortante, sorriu-me maliciosamente e passou subtilmente todo o meu objeto de contemplação pela porta, deixando temporariamente ao alcance dos meus olhos apenas aquele olhar, que me prometia algo mais. Intrigado pelos seus enigmas, vejo, então, a sua mão singela segurar, perigosamente, por uma ponta, um soutien branco, cuja renda eu juraria já ter visto naquela sala.
     Assim que a sua mão deixou cair aquele tecido de suporte, mistério e segredo, pareceu perder lentamente o resto das forças e deslizar. Assim que tudo o que restava de si naquela sala era aquele rastro a dois metros dos meus pés, o meu corpo deixou de me obedecer. Instintivamente, as minhas pernas ergueram-me daquela cadeira e eu submeti-me à influência sexual e amorosa que aquela mulher transbordava para mim. Abri a porta e ei-la, a fugir em passo apressado. Enganas-te se pensas que te safas desta, ouvi-me pensar.
     Rapidamente, estava já ela completamente cercada pelos meus braços, contra a parede mais próxima, naquele pátio deserto. O calor não emanava agora daquele peito que saltava, mas sim do seu bafo, verdadeiramente nervoso. Confusamente, molhou os lábios secos, mas eu não achei que a sua própria saliva fosse suficiente. Com os meus lábios encaixados nos seus e a minha língua a roçar na sua, eu senti as suas mãos geladas tremerem contra a minha nuca, enquanto que era impossível distinguir qual das duas respirações estava mais acelerada. Ao aquecer as minhas mãos debaixo daquelas aberturas fáceis de renda, eu desejei apenas que ela tivesse consigo outro vestido, porque aquele estava prestes a ser rasgado.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

12. Carta à pessoa que mais odeias/que te causou muita dor

Conteúdo para Adultos


Em seguimento de masoquismo ou culto próprio?. 

    Um passo, dois passos. Uma pancada. Duas, três, quatro pancadas. Cinco pancadas. Seis, sete, oito, nove pancadas. Dez pancadas. Onze.
      A adrenalina percorre todo o meu corpo e arrepia toda a minha pele. Contorço o pescoço, numa tentativa de afastar o pensamento da memória. Custa-me relembrar, a sangre frio, sem aquecer.
      Olha bem para mim. Não pretendo intimidar-te, mas olha para mim, bem fixamente nos meus olhos. Sentes a raiva chegar até ti? Eu sinto-a sair de mim. Acreditas mesmo que o medo me enfraquece? Enganas-te. Oh, se te enganas! O medo faz-me violenta. Fortalece o meu lado animal.
      Tens, pois, a certeza de que pretendes continuar? Achas mesmo que, ao me tocar dessa forma, te respeitarei? Queres mesmo levar isto até ao fim?
       Pois então leva. Toca-me dessa forma pseudopossessiva. Sente-te poderoso. Faz comigo o que tens sempre feito e que o fazias com todos os outros -- e bate-me. Bate-me tanto quanto quiseres. Rasga a delicadeza que esconde, cinicamente, o pudor dentro de mim. Bate-me mais. Descarrega em mim os teus problemas. Bate-me, bate-me muito. Finge que, assim, eles passam a ser meus. Bate-me com força. Finge que o demónio está em mim e faz das tuas mãos água benta. Bate-me! Faz de mim o que tu quiseres.
       Veremos, no fim, qual de nós dois rirá.

domingo, 15 de janeiro de 2012

29. Carta à pessoa que queres contar tudo, mas estás demasiado receoso/receosa

Em seguimento de masoquismo ou culto próprio?.


        O coração aperta e aquece todo o corpo. Lembra-me a sensação de estar apaixonada, mas, na verdade, talvez não seja por isso. A melancolia abala-me, e eu sei que algo está errado. Ou será que aperta porque, ao pensar no que me entristece, lembro-me do que sinto falta?
     Por vezes, confundo a realidade com a ficção. Imagino acontecimentos, personagens, e esqueço-me do que, de facto, acontece. Vivo a ficção que a minha imaginação produz e sinto-a como se fosse real. Igualmente, quando certos acontecimentos ocorrem na realidade, menosprezo-os e não os consigo sentir. Isso prejudica-me na realidade.
     Costumo sentir saudades de quando isto não acontecia -- dos tempos em que existia realidade, e só realidade, e eu era apenas prejudicada por estar nela. Mas isso, na verdade, nunca aconteceu. Eu sempre vivi a ficção e a realidade, e sempre confundi um e outro cenário. A diferença entre o passado e o presente (e esse? Existe?) é que agora eu tenho noção disto -- e outrora não. Agora eu consigo aperceber-me do que se passa comigo. Antigamente, eu poderia jurar que tudo aquilo era realidade -- e, para mim, era.
        Se, então, eu sei o que me está a acontecer e isso me prejudica, por que não o mudo? Eu já provei no passado ser capaz de alterar a ordem das coisas e, inclusivamente, mudar o meu comportamento, quando achava que o devia fazer. A grande oposição é: eu não sei se o quero fazer. Eu não quero trocar as cores de um mundo por um mundo que não me faz feliz.
        Eu não quero continuar no compromisso de atividades que não me dizem nada e que me fazem deixar para trás o que me faz deslizar de satisfação. Quero continuar a acordar todos os dias com a motivação de ser um novo dia, com oportunidades para fazer novas coisas, sem lamentar o frio que está lá fora ou as horas de sono que não dormi. Não quero continuar a acordar todos os dias e pensar que adorava não ter de sair da cama. Estou farta deste ritmo que o mundo me impõe, mas que em nada é meu. Quero partilhar com os outros as coisas que sei e, com os outros, aprender novas coisas. Quero continuar a escrever com a paixão de um amor gigante. Quero deixar de fazer batuques discretos com os meus dedos e tocar, efetivamente, um piano. Quero sujar as telas e as folhas com tintas e carvão. Quero viver com a pessoa que mais amo numa casa discreta no meio da floresta. Ultrapassar esta insetofobia que, irracionalmente, me bloqueia e voltar às raízes de toda a humanidade, à simplicidade tão pura e sincera que originou toda esta comunidade corrupta. Porque sim, eu encontrei alguém que me ama assim, com quem quero partilhar toda a minha vida. Alguém que não só conhece toda a minha estranheza, como também a acha bela. Tenho excelentes amigos, acredita, que também gostam de mim, assim como sou. Sempre duvidaste de haver por aí alguém que fosse, mas essa dúvida não era pelas outras pessoas, mas sim apenas tua. Tu nunca aceitaste os mais pequenos indícios da pessoa que eu poderia ser e nunca aceitarás que eu seja como sou. Nunca serás capaz de amar quem eu sou e, portanto, não compreendes como é possível que mais alguém o seja. Tens os olhos cheios de preconceitos que te impedem de ver para além do físico. Eliminas, logo à partida, qualquer hipótese de ser positivamente surpreendido.
       Gostava de ter o conforto monetário que me permitisse quebrar todas estas regras que me prendem a um mundo cheio de stress. Mas então surgem os meus conhecimentos de economia a relembrar-me de que o dinheiro não aparece, nem desaparece, apenas muda de local -- e que, para eu conseguir ter muito dinheiro e realizar estes meus sonhos, é preciso que, à minha conta, haja muitas pessoas que ficam longe de saber o que é sequer sonhar. E eu sei que, mesmo que eu não contribua para tal, há-de haver sempre alguém que o faça. Mas eu não quero ser essa pessoa. Não quero ser também culpada pelas injustiças que me revoltam. Não quero matar a beleza que encontrei dentro de mim.
       Mas eu sei que não sou a única a sentir estas coisas e a sonhar desta forma. Pelo contrário, tal como eu, há-de haver muita mais gente que, aparentemente, não tem nada de errado, mas que, no fundo, gostava de continuar a ser criança. Por que têm de ser as crianças sempre a única referência de quem corre, ri, brinca, festeja, é sincera e espontânea, canta e dança? Pois eu não quero crescer, não nesse aspeto, e deixar de ser feliz. E eu sei, eu tenho a certeza, que a maioria esmagadora das pessoas sente esta mesma insatisfação dentro de si. Por que, então, não nos unimos todos e nos revoltamos contra este mundo que corrompe as almas?

Soul Meets Body by ~CARUTOS on deviantART

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O Controlo Demente escolhe os Blogs Escritores do Ano de 2011

    Olinda Gil, uma seguidora anónima aqui do sítio, resolveu nomear cinco blogues que considerava muito criativos e com grande qualidade, para os Blogs Escritores do Ano de 2011.
    Como já devem estar à espera, para eu publicar isto, é porque fui nomeada. É verdade. É um lisonjeio enorme, sobretudo tendo em conta que eu nunca imaginei que alguém me pudesse vez alguma importância mais razoável, nem nunca imaginei sair da impopularidade do Blogger. Escrevia sem sequer achar que alguém leria. Ainda agora me sinto surpreendida. Novamente, muito obrigada.



A Casa do Alfaiate: A Casa do Alfaiate escolhe os Blogs Escritores do Ano de 2011



Eu resolvi fazer nomeações também:

domingo, 8 de janeiro de 2012

A Filha do Rei II

Em continuação d'A filha do Rei I.

    Não. Constança não era assim. Constança achava que a janela através da qual tinha vista para a origem da vida era a moldura mais bela que alguém poderia ostentar e, por isso, orgulhava-se em tê-la no seu quarto, a um metro da sua cama. Era-lhe sempre agradável não seguir os conselhos de Haleema, a aia de quem era mais próxima, e dormir de janela aberta. Quando a vinham chamar para a acordarem, já os galos tinham ajudado o vento a acordar Constança. Aquela brisa sempre fresca no seu rosto fazia-a inspirar fundo assim que abria os olhos e encarava um Sol tímido por detrás do habitual nevoeiro. Imediatamente, libertava um pequeno sorriso e esticava os braços, de punhos fechados, salientando o seu peito, como que numa exibição de recompensa à Natureza pelo bem estar provocado. De seguida, levantava o tronco e ficava, naquela tranquilidade matinal, a observar o mais real quadro que alguma vez tinha visto, deixando que a pureza dos campos a fortalecessem. Por vezes, ficava a ver os tecidos da sua cama de dossel voarem em coreografias místicas, em tons de azul, cinzento e branco.
     Acordar tão cedo quanto o Sol é que não era duma princesa, por isso sempre esticava os cobertores da cama, vestia uma capa quente, puxava o cabelo para o lado, saía do quarto, fechava cuidadosamente a porta de madeira e descia, sorrateiramente, a escadaria de pedra, para que não se apercebessem de estar a tomar a iniciativa de fazer o que uma pessoa ordinária faria, não tendo o seu estatuto. Constança achava que a única coisa extraordinária ali era a porcaria do estatuto, que lhe fora conferido sem ela ter responsabilidade de tal. Por isso, agia consoante o que queria e desejava, tanto às claras, como às escondidas. Ao chegar a cada piso de baixo tinha de se esconder e potencializar a sua audição e a sua visão, a fim de encontrar algum guarda sonolento que rondasse o castelo, mandado pela mãe, à procura da rebeldia da filha. Dulce chegara a ordenar a um guarda que ficasse de plantão no exterior da porta do quarto da filha, mas este, ao segurar Constança, levara um murro na cara, que lhe partira dois dentes da frente, e uma forte joelhada na zona sensível. D.ª Dulce Berenguer de Barcelona, como assim era chamada a mulher que lhe tinha dado a vida, mas não o leite, chegou a discutir consigo, mas sentiu-se mais intimidada do que a filha, que lhe apontou o indicador e jurou não deixar que a inibissem a esse ponto.
     Ao chegar ao rés-do-chão, caminhava apressadamente para a porta da cozinha, no fundo da divisão. As cozinheiras sentiam-se embaraçadas, largavam prontamente tudo o que tinham nas mãos, fechavam-nas no colo e baixavam as cabeças. Inicialmente, Constança tentava deixá-las mais à vontade, mas ao ver que eram as próprias criadas que persistiam em se autodiscriminar, não lhes dava importância e seguia o seu caminho, pela porta das traseiras. Aí, sentava-se no degrau que havia antes de pisar a terra relvada e contemplava o trabalho dos humildes senhores que só não estavam no seu lugar pelo azar de terem nascido das mulheres erradas, que lhes tinham dado a vida e o leite. Um moço, de calças arregaçadas e roupas encardidas pelo tempo, logo aparecia, com um balde com água. Era Martim, o filho do padeiro, e sempre lhe tinham encarregue o transporte dos alimentos. Tinham-se conhecido numa das vezes em que Constança agredira Afonso, por este ridicularizar os agricultores. Martim estava a par dos rumores e do pânico que a filha do Rei causava e ficava curioso de a ver. Constança tinha sido puxada pelo braço até à cozinha por uma das aias, que a repreendeu por agir como uma vândala. Assim que a aia saiu, Constança deitou-lhe a língua de fora e cruzou os braços, só os tendo descruzado para ir ter com Martim, escondido fora da porta, que a chamou e lhe disse que ela era um máximo. Desde então, tornaram-se grandes cúmplices e criaram um laço muito forte e um dos mais raros da Corte, a que Constança chamava de verdadeira amizade. E ali estava ele, sempre disposto a trazer-lhe a água que Constança agradeceria com um sorriso e um piscar do olho direito e levaria para o seu quarto, onde se lavaria e vestiria um dos seus vestidos.

sábado, 7 de janeiro de 2012

É magia, a Natureza que os rostos beija

     Nestes campos de onde te escrevo, o Sol cedo nasce e tarde se definha.
     Venho, erudita, falar-te dos campos onde o dourado muito dura e pouco raia.
     Aqui, exatamente de onde prolifero a absurdez do meu amor, sinto as plantas em mim -- ou serei eu um pouco delas? As plantas, pois, dançam ao som da melodia dos nortes, que norteiam o sul do destino.



     A sua cor confundia-se com a branca luz que eternamente a abraçava. Juntas dançavam, como dois espíritos que se encontram, ao fim de uma longa busca. No ar ondulavam, almas gémeas de um processo proibido.
     Rodopiava ela, qual fada que se solta, e liberta no ar pozinho cintilante, que esvoaça e paira como pássaros ao redor do ninho. Pois os ninhos perfumava e deixava o seu louro cabelo partilhar a leveza da lavanda distante, de um carinho natural expelido. As partículas despedaçavam-se do seu denso peito e contaminavam o aroma com a subtileza de um salto sem esforço, sem gravidade, de umas pernas carnudas e esbeltas, findadas nos pezinhos delicadamente esticados. Compara-se a uma fada que voa, difundido calor com um sorriso inocente e harmonioso.
     Então, regressa aos braços de quem dela cuida, deixando-a brincar ao luar, sabendo ser toda aquela encenação uma sedução espiritual que lhe faz docilmente.
     Nestes campos onde o vento me beija o rosto, é feiticeira, a Natureza.


Midnight Fiel by ~ChemicalSunflower on deviantART

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

5. Carta aos teus sonhos

Em seguimento de masoquismo ou culto próprio?.

Following her dream by *duchesse-2-Guermante on deviantART

       Acordar todos os dias pode ser uma tarefa tanto ou quanto difícil.
     Eu pensava assim, nas épocas de apatia. Não é que fosse difícil levantar-me da cama e seguir uma rotina denominada enquanto normal, típica de todos os que se acham -- e que muitos assim os reconhecem -- grandes (assim os definem os padrões bege, preto e cinzento, bem como os rostos infelizes e frustrados, que são símbolo de riqueza, conforto, inteligência e maturidade -- o meu avô costuma chamar-lhes homens de linha). Tal como qualquer pessoa normal, eu levantava-me da cama e fazia exatamente as mesmas coisas que os ídolos e os heróis da minha sociedade faziam.
     A diferença era que eu não me orgulhava de seguir os ídolos da minha sociedade. Sociedade que nunca foi minha, verdade seja dita. Os meus olhos pertenciam-me, não à sociedade. Igualmente, pertenciam-me os pensamentos, não à sociedade. Porque eu não deixava que a sociedade fizesse deles seus, como fez a quase todos os que, tal como eu, agiam em razoável conformidade. Os gostos chegavam a todos nós, mas nem todos nós os consumíamos. Era por isso que vocês procuravam. Procuravam quem não se tinha conformado com os desejos da sociedade e se sentia vazio por não encontrar nada que o preenchesse.
     E eu prometi-vos nunca vos deixar nem vos vender. Fiz serões, gritei, chorei e jurei a pés juntos o amor que por vós nutria. E nutro.
     A dor não é de não vos ter porque não vos conheço. Eu conheço-vos, melhor do que ninguém. Eu tive-vos, mas vocês fugiram. Não fracassaram, mas despediram-se e abandonaram-me, deixando apenas uma caixa, não vazia, mas com uma cama bem requintada, com as mais confortáveis almofadas. Essa cama foi feita à vossa medida e agora aloja-se, vazia, em mim e vai suspirando pelos donos que a deixaram assim, por fazer, sem nada dizer antes da partida, deixando o mistério, a dúvida e a incerteza nos lençóis.
     Eu vou vos encontrar. Eu tenho de vos encontrar.