Debaixo de uns óculos de sol espelhados, está uma moça. É jovem, ela.
E que mistérios esconde? Que histórias a marcam?
A duma fantasia que se quebrou cedo de mais e a duma violação numa idade demasiado adequada.
Onde está a criança que se achava feliz, enquanto brincava com bonecos?
Num passado muito longínquo, onde a sua família ainda estava razoavelmente unida.
Mas onde está ela?
Não está. Foi assassinada, a pobre menina que costumava tentar quebrar as leis da gravidade, enquanto os seus caracóis pretos esvoaçavam, contentes de ser arrastados.
É uma lástima.
O que fazem estes óculos em si?
O coração, rasgado, esqueceu-se do tempo. Os olhos, vazios, deixam escapar água por baixo das frestas. A boca permanece aberta, deixando a saliva secar. Está ali imóvel, como se não pensasse, não sentisse, não vivesse. Está ali há horas. Desde que a granada explodiu. De óculos postos e deveres pendentes, embora não haja sol nem tempo a perder.
Perdido o tempo está. Não importam os deveres, ela está incapaz de agir.
Não depende minimamente de si.
E por isso espera ser consertada, enquanto o seu coração, rasgado, tenta cicatrizar-se com o ar, pelo que está aberto ao vento, que a penetra sem que ela reaja, deixando-a em tons de cinza e branco.
Mas nem o cinza nem o branco são a sua cor. Sem cor ela é. Ela é tudo o que restou. A sua transparência deixa-a assim, sincera e vazia. Inexpressiva. De óculos postos e deveres pendentes.
E assim, pura e vazia, soprai as cinzas e levai-a. Para que não sofra mais.