Tem piada, já não se lembra do corpo dela. Só se lembra da sensação de lhe tocar. É como se tivesse esquecido a cor dos lençóis duma cama de hotel sem lhe esquecer o conforto. E é altura de se perguntar outra vez porque é que não se apaixonou por ela. Nunca percebeu, mas sabe que esteve sempre quase e nunca aconteceu. Foi um amor estéril, conclui. Os amores estéreis são esses, os que nunca o chegam a ser mas crescem na mesma, talvez como uma flor sem raiz.
Acha que ela também nunca se apaixonou por ele. Aliás, tem a certeza. Ainda bem, pensa. Só assim é que é possível dizer um até amanhã sabendo que é um até nunca. "Um dia destes telefono-te", disse-lhe ele. E ela sorriu sabendo que era mentira. Mas não se importou. Pelo contrário, foi um alívio.
Nunca acreditaram no toque um do outro, mas mesmo assim tocaram-se repetidamente. Precisavam de acreditar num toque qualquer e não havia mais nenhum. Às vezes é assim. Ambos tinham um Amor não correspondido e ninguém se acomoda à falta de correspondência. Aliás, foi nesse quarto de hotel que ela lhe disse que ambos tinham ficado sem casa, mas como ninguém gosta de ficar na rua refugiaram-se ali, num quarto de hotel e um no outro. Ele assumiu-se como um refugiado no Amor e a respiração tornou-se mais lenta. Nesse momento até o corpo amoleceu e precisou de um novo toque para endurecer.
Tinham-se conhecido uns dias antes, ainda ambos eram apenas um caco da destruição de um Amor anterior. Ainda ambos farejavam a cidade como cães anósmicos, à procura do que não havia, e acabaram por roçar um no outro. Tem piada ele já nem se lembra do que bebeu nesse bar. Só se lembra da sensação de estar a fingir um interesse que não tinha e de sentir que ela fingia o mesmo. Talvez por isso tenham ido para um quarto de hotel: para nenhum deles dar mais de si do que devia. E fecharam-se ali, onde sabiam que o Amor não os encontrava para fingir que nem precisavam dele. Ele sentiu-se mais prostituto. Ela também. E soube bem.
Sabe mal, principalmente à filha.